Poesia e Ciência







Realização: Departamento de Cultura e Lazer da Reitoria da U.Porto, 2010-02-11

Conferência inserida no ciclo Diálogos com a Ciência | Outubro de 2009 - Março de 2010

Poesia e Ciência - parte 2 | 11 de Fevereiro de 2010
Sessão apresentada pelo Pró-Reitor Manuel Janeira | Comissário: Vicente Ferreira da Silva | Oradores: Alice Macedo Campos, Gabriela Rocha Martins, Nuno Júdice e Vitor Oliveira Jorge.



2ª Intervenção


cumpre.me ,em primeiro lugar ,agradecer à Reitoria da Universidade do Porto ,na pessoa do Senhor Pró Reitor e ,mui particularmente ,ao poeta e meu querido amigo ,Vicente Ferreira da Silva ,o convite formulado para integrar este ciclo de Conferências ,intitulado


Diálogos com a Ciência

todavia e se me permitem ,gostaria ,antes ,de apresentar.me ,recorrendo às minhas palavras vagamundas

- deliberada
mente
olho o vagabundo do outro lado da rua e
tenho pena
não dele
mas de mim
sentado no chão tem o absoluto do nada e
eu?
reservo.me na serventia de tudo

olho a cigana do outro lado do passeio
invejo as palavras com que tece
nas mãos
ilusões e
eu?
presa ao presente em que o nada se compraz
no absurdo das intenções

a cabeça reserva.me a dúvida
o cansaço das estórias recriadas e
repisadas
ninguém tem o direito de ser
míseros ímpios feitos em deuses

senhora
o vinho corre!
deixá.lo correr
alguém pergunta
porquê?

o bêbado bebe
na solidão de si
se for o caso
ou talvez não e
porque não?

o vagabundo olha.me
estendo a mão a que a cigana revestiu de cacos
deixo.lhe um sorriso
preso à imensidão de um olhar
profundo
que não ouso

não sei colar os cacos que a cigana
forjou

o não é a palavra proscrita
no sim de uma vida
sem desígnio
perseguem.me os fantasmas da escrita
a maledicência transfere o golpe mortal
choro o animal ferido
rio.me do pontapé dado a um irmão
de raça
alimento.me de ossos
de peles que devoro
como a predadora imersa
em ladaínhas de bem querer

não ouso ninguém

prefiro o salto do vagabundo que
me estende a mão para segui.lo
ao encontro oculto da cigana
sou
sapato
gato
rato
a ínfima parcela de um choro
que não choro
de uma gargalhada
que não dou

coloco a cabeça entre mãos
aperto.a
não me detenho em nada
não ouço nada

prefiro a algazarra do demónio
onde encontro o absurdo do não ser
em perfeição

não dói

matei a alegria
matei a cigana
matei o vagabundo e
não percebi que ao fazê.lo
me matava a mim
reduzida ao nada
feliz
no espaço que circunda
o estar no meio do conflito

deixem.me entregue às minhas loucas
fantasias onde bebo
( e porque não? )
os néctares que me aprouver
deixem.me
ser
a verdade
falsa do trio que desenhei
o vagabundo
a cigana e eu
três marginais no destino

estou tão cansada de ser bem comportada

valorizo hoje
amanhã destruo
a sobreposição de comportamentos e
de atitudes
como manda a santa madre igreja
os anjos
os arcanjos
os santos
os demónios
el.rei e
senhor

sou muito bem comportada

respeito a cor
o grito
o silêncio
o absurdo
a redundância
tudo começa a fazer sentido

ausento.me em cansaço

olho o outro lado da rua

não vejo o vagabundo
terei sonhado?
a cigana sumiu
terei efabulado?
não me revejo
estarei acordada?

é necessário que alguém vigie
os extra.terrestres acabam de ocupar
o centro da avenida
têm olhos redondos
nariz redondo
orelhas redondas
barriga redonda
a boca
é afiada
ah! têm duas línguas
bífidas
como as serpentes que procuram a estrada
cabeças erguidas na morte
as cadeiras
aprumadas
continuam à espera que o espectáculo comece
os actores não comparecem

[ alguém inverteu os papéis ]

apagam.se os projectores


deliberada
............. mente

antes de retomar a minha intervenção ,tendo como ponto de partida a origem grega da palavra POIESIS – como substantivo ,género feminino - traduzindo acção de fazer e concebida em quatro tempos distintos ,a saber
1 .criação ( como oposição à praxis ),
2 .acção de compor poesia ( reportando.nos à inteligência )
3 .arte da poesia
4 .obra poética
diferenciando.a de POIEMA - substantivo, género neutro - “o que se faz” –
isto é
1 .obra,
2 .“produção” de poesia ,de poema ,de versos isolados
3 .ficção
4 .acção de fazer a obra.
se atendermos à evolução da palavra até aos dias de hoje ,verificamos que as diversas acepções de POEMA nem sempre são muito precisas, e, em muitos casos, confundem-se com o conceito de POESIA, muito embora e ,de um modo geral ,POEMA seja entendido como uma das expressões possíveis da POESIA.
consideremos algumas definições ,normalmente ,aceites:
1. obra literária em verso;
2. obra literária em prosa ,mas de estilo poético;
3. arte de escrever em versos;
4. maneira de versejar própria de um autor ou de um determinado estilo;
5. o que desperta o sentimento estético do “belo”;
6. actividade linguística que procura criar com a linguagem um estado psíquico de emoções estéticas
neste último caso ,a língua transcende a função de meio de comunicação ,para tornar.se ,ela mesma ,objecto de comunicação ,servindo de matéria-prima para a obra de arte literária
assim ,a aplicação artística de uma língua torna.se espontânea ,e ,encontra.se em todos os tipos de sociedades ,mesmo as mais rudimentares ,quer na sua vida material ,quer espiritual.
como expressão linguística ,o poema tende a organizar.se em frases ritmadas ,com base na entonação ,no número de sílabas ,na distribuição mais ou menos regular ,ou até mesmo irregular ,das sílabas acentuadas ,tornando.se ,destarte ,numa série de versos.
para o poeta e diplomata mexicano Octavio Paz
- “o poema” é uma palavra semanticamente instável, que se vincula, pela etimologia e por natureza, à poesia ,e ,o poema é uma composição literária de índole poética ,isto é ,“um organismo verbal que contém, suscita ou segrega poesia” ( sic ).
a conexão ortodoxa entre poema e poesia implica ,ainda para o referido poeta ,um juízo de valor, ainda que de primeiro grau ,porque todo o poema encerra poesia, e vice-versa ,e ,assim ,sistematicamente, a poesia identifica.se com o poema.
a correlação, no entanto ,observa.se ,apenas ,como tendência histórica ,já que “existem poemas sem poesia”,e a poesia pode surgir ( e porque não? ) no âmbito da estrutura formal de um romance ou de um conto, de modo que muitos autores consideram que um poema pode ser estruturado não apenas em versos, mas também em prosa.
o mesmo Octavio Paz ,numa forma assaz poética ,acresce: “[...] o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, colectiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tenha nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!”
então ,que conexão existe entre poesia e poema?
será que se confundem?
Aristóteles dizia que “nada há de comum, excepto a métrica, entre Homero e Empédocles e por isso ,chama.se poeta ao primeiro e filósofo ao segundo
e ,de facto ,assim é
nem todo o poema contém poesia ,do mesmo modo que há poesia sem poemas .mas é no poema que a poesia se recolhe e/ou se revela ,plena
é lícito ,então ,perguntar ao poema pelo ser da poesia ,porque o poema não é apenas uma forma literária ,mas o lugar de encontro entre a poesia e o ser humano
por excelência ,o poema é um organismo verbal que contém, suscita e emite poesia
logo ,forma e substância são a mesma coisa
algumas teorias da literatura ,mais redutoras ,pretendem reduzir a géneros a vertiginosa pluralidade de um poema .no entanto ,esta pretensão ,em nosso entender ,padece de uma dupla insuficiência:
1º - porque reduz a poesia a umas tantas formas - épicas ,líricas ,dramáticas
[ então ,e ,como muito bem pergunta Octavio Paz – que continuará a acompanhar.nos esta noite - o que faremos com os romances ,os poemas em prosa ou ,por exemplo ,Os Cantos de Maldoror (de Lautréamont) ou Nadja (de Andre Breton)? ]
2º - todas as actividades verbais ,para não abandonar o âmbito da linguagem ,são susceptíveis de mudar de signo e transformar.se em poemas ,pelo que as classificações mais tradicionais e mais fechadas podem tornar.se demasiado redutoras
cada poema é um ser único, especial e irrepetível
a única característica que os poemas têm em comum consiste em serem obras humanas, como o quadro de um artista plástico ou a cadeira de um marceneiro.
são ,no entanto ,obras diferentes ,porque entre os poemas não há uma relação de causa e efeito ,como se verifica com os instrumentos de trabalho
eis.nos chegadas ao cerne da nossa presente intervenção .ao seu título .ao repto que nos foi lançado

- Diálogos com a Ciência

haverá entre a Poesia e a Ciência diálogos possíveis?
como realidades distintas ,todavia ,comunicáveis ,claro que sim .ambas pressupõem o outro .quem lê
todavia ,técnica e criação ,utensílio e poema são realidades distintas
cada poema é um objecto único ,criado por uma “técnica” que morre no instante da criação
além disso ,aquilo que se pode chamar “técnica poética” não é transmissível ,porque não é feita de receitas ou de fórmulas ,mas sim de invenções e subtis jogos com a linguagem que servem ,essencialmente ou tão só ,o poeta

na construção formal de um poema ,exploram-se as possibilidades da linguagem em geral e de uma língua ,em particular
1 .no som
2 .nas palavras
3 .na associação de ideias
4 .na construção de versos - utilizando-se o ritmo ,a harmonia ,a rima ,a assonância ,a aliteração ,as figuras de estilo ou as figuras de sintaxe
para Jean Cohen ,por exemplo ,um poema deve ser breve ,limitado e obediente a certos requisitos formais ,visto traduzir.se numa “técnica linguística de produção de um tipo de consciência que o espectáculo do mundo não produz ordinariamente”.
por outro lado ,Antonio Quilis, define o poema “como um contexto linguístico no qual a linguagem, tomada no seu conjunto de significante e significado ,alcança uma nova dimensão formal ,que ,segundo a vontade do poeta ,realiza-se potenciando os valores da linguagem através do ritmo”.
o poema é feito de palavras ,seres equívocos que connosco brincam e que, sendo cor e som ,também são significado, do mesmo modo que um quadro também será um “poema” , se for algo mais que uma mera linguagem pictórica
para além de ser palavra ,o poema constitui.se na História ,sem deixar de transcender a própria História ,na medida em que todo o poema se manifesta num determinado tempo ,numa certa realidade ,num preciso contexto social
para alguns ,o poema é a experiência do abandono .para outros ,do rigor e da alteridade ,porque cada um procura algo no poema ,algo que ,no entanto e sem o saber ,traz dentro de si
o poema é de facto ,uma possibilidade aberta a todos ,independentemente do eu ,mas que só toma corpo ,quando encontra um leitor ou um ouvinte .há ,assim ,uma característica comum a todos os poemas ,sem a qual nunca haverá POESIA – a comunicação
o poema é ,ainda ,mediação ,porque graças a ele ,o tempo original - “pai dos tempos” – intervém no momento em que se alimenta a si próprio e transmuta o homem ,e ,assim ,a leitura de um poema mostra uma enorme similitude com a criação poética ,como nos afirma a poeta brasileira ,Sílvia Regina Pinto ,“O poeta cria imagens ,poemas .o poema faz do leitor imagem, poesia, pois é via de acesso ao tempo puro, imersão nas águas originais da existência. A poesia não é nada senão tempo, impulso rítmico perpetuamente criador

vejamos como exemplo ,as duas primeiras estrofe do ‘metapoema’ Motivo ,de Cecília Meireles:

“Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.

Irmão das coisas fugidia,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
No vento.”

há ,no entanto que levar em linha de conta que o tempo do poema não tem nada a ver com o tempo cronológico
comumente ,diz.se - “o que passou, passou”
para o poeta ,porém ,o que passou volta a materializar.se
senão vejamos -
o poeta - disse o centauro Quíron a Fausto - não está amarrado pelo tempo”.
e este responde: “Aquiles encontrou Helena fora do tempo”.
Fora do tempo? Melhor ,no tempo original”.

destarte o poema ,inicialmente ,um arquétipo ,converte.se quando alguém repete os seus versos ,cuja função é recriar o tempo

vejamos um pequeno exemplo poético dessa questão temporal, destacado do Cancioneiro de Fernando Pessoa:

“Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
nessa minha infância
que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
fui-o outrora agora.”

deste modo ,o poema é uma totalidade encerrada dentro de si mesma ,cuja unidade não é o sentido ou a direcção significativa ,mas sim o ritmo ,havido não apenas como medida, mas, fundamentalmente ,como visão do mundo ,e ,assim ,Moral ,Política ,Técnica ,Filosofia ,enfim ,tudo o que chamamos Ciência tem as suas raízes no ritmo...

recorremos ,mais uma vez ,ao Cancioneiro de Fernando Pessoa:

“No piano anónimo da praia
tocam nenhuma melodia

De cujo ritmo por fim saia
todo o sentido deste dia.”

à laia de conclusão e partindo de tais pressupostos ,não há a mais pequena sombra de dúvida que a Ciência e a Poesia ,se bem que pertencentes à mesma busca imaginativa do Homem ,se encontram ligadas a domínios diferentes de conhecimento e de valor.
o poema cresce da intuição criativa ,da experiência humana singular e do conhecimento do poeta. a ciência ,por seu lado ,gira em torno do fazer concreto ,da construção de imagens comuns ,da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento colectivo sobre o mundo circundante .tem como vínculo ,ao contrário do poema ,representar o comportamento material .mais do que a leitura poética ,tem a capacidade de permitir a previsão e a transformação directa do entorno material
mas - em tudo há sempre um MAS - as aproximações entre a Ciência e a Poesia ,se vistas dentro do mesmo sentimento do mundo ,revelam.se riquíssimas ,porque a criatividade e a imaginação têm em comum o “húmus” com que se nutrem
além disso ,as incertezas de uma realidade complexa que podem transformar.se em versos ,também podem ser representadas por formas matemáticas
nos tempos actuais ,em que a Ciência e a Tecnologia impregnam a nossa Cultura e o nosso quotidiano ,o poema pode parecer um anacronismo ,do mesmo modo que as muitas pequenas verdades científicas constituem uma abordagem incompleta e limitada do mundo
há ,todavia ,um aspecto ,no que concerne ainda ao poema que gostaria de destacar ,antes de terminar a minha intervenção
respeita à métrica e ao ritmo
não são a mesma coisa .o ritmo é inseparável da frase - não é composto só de palavras soltas ,acentos e pausas ,de imagem e sentido - e apresenta.se como uma unidade indivisível e compacta que constitui o verso
a métrica ,pelo contrário ,é uma medida abstracta e independente da imagem
esta distinção é assaz pertinente ,porque inibe chamar poemas a um grande número de obras que, por pura inércia ,ainda constam ,como tais ,nos Manuais de Literatura ,ao contrário de outras ,como “Alice no País das Maravilhas” ,de Lewis Carroll ,ou “El Jardín de los Senderos que se bifurcam” ,de Jorge Luis Borges ,para só referir estas duas ,que deveriam ser classificadas como poemas ,porque nelas a prosa nega.se a si mesma e as frases não se sucedem obedecendo a uma ordem conceptual ou narrativa ,mas são ,tão só ,presididas pelas leis da imagem e do ritmo

e agora sim ,a terminar ,eis a minha provocação ,lançada a todos ,público e mesa - ou não me chamasse gabriela rocha martins - inserida no dicionário de Joseph Shipley:
-qualquer composição em verso - e nenhuma que não o seja - é sempre definida ,seja ela boa ou má ,poema ,por todos os que não possuem outra forma de a classificar.




muito obrigada.


bibliografia consultada:

BOSI ,Alfredo .O ser e o tempo da poesia :1983;
COHEN ,Jean .Structure du langage poétique :1966;
MEIRELES ,Cecília .Obra Poética ,1958;
PAZ ,Octávio .O Arco e a Lira ,1982;
PAZ ,Octávio .Signos em Rotação , 2ª ed. ,1976;
PESSOA ,Fernando .Obra Poética ,1983;
QUILIS ,António .Métrica Espanhola, Barcelona :2ª ed. corrigida y aumentada, 1985;
SHIPLEY ,Joseph .Dictionary of World Literature ,New Jersey: Littleford ,Adams & Co.


Porto ,11 de Fevereiro de 2010



Poesia e Ciência




Realização: Departamento de Cultura e Lazer da Reitoria da U.Porto, 2010-02-11

Conferência inserida no ciclo Diálogos com a Ciência | Outubro de 2009 - Março de 2010

Poesia e Ciência - parte 2 | 11 de Fevereiro de 2010
Sessão apresentada pelo Pró-Reitor Manuel Janeira | Comissário: Vicente Ferreira da Silva | Oradores: Alice Macedo Campos, Gabriela Rocha Martins, Nuno Júdice e Vitor Oliveira Jorge.



2ª Intervenção


cumpre.me ,em primeiro lugar ,agradecer à Reitoria da Universidade do Porto ,na pessoa do Senhor Pró Reitor e ,mui particularmente ,ao poeta e meu querido amigo ,Vicente Ferreira da Silva ,o convite formulado para integrar este ciclo de Conferências ,intitulado


Diálogos com a Ciência

todavia e se me permitem ,gostaria ,antes ,de apresentar.me ,recorrendo às minhas palavras vagamundas

- deliberada
mente
olho o vagabundo do outro lado da rua e
tenho pena
não dele
mas de mim
sentado no chão tem o absoluto do nada e
eu?
reservo.me na serventia de tudo

olho a cigana do outro lado do passeio
invejo as palavras com que tece
nas mãos
ilusões e
eu?
presa ao presente em que o nada se compraz
no absurdo das intenções

a cabeça reserva.me a dúvida
o cansaço das estórias recriadas e
repisadas
ninguém tem o direito de ser
míseros ímpios feitos em deuses

senhora
o vinho corre!
deixá.lo correr
alguém pergunta
porquê?

o bêbado bebe
na solidão de si
se for o caso
ou talvez não e
porque não?

o vagabundo olha.me
estendo a mão a que a cigana revestiu de cacos
deixo.lhe um sorriso
preso à imensidão de um olhar
profundo
que não ouso

não sei colar os cacos que a cigana
forjou

o não é a palavra proscrita
no sim de uma vida
sem desígnio
perseguem.me os fantasmas da escrita
a maledicência transfere o golpe mortal
choro o animal ferido
rio.me do pontapé dado a um irmão
de raça
alimento.me de ossos
de peles que devoro
como a predadora imersa
em ladaínhas de bem querer

não ouso ninguém

prefiro o salto do vagabundo que
me estende a mão para segui.lo
ao encontro oculto da cigana
sou
sapato
gato
rato
a ínfima parcela de um choro
que não choro
de uma gargalhada
que não dou

coloco a cabeça entre mãos
aperto.a
não me detenho em nada
não ouço nada

prefiro a algazarra do demónio
onde encontro o absurdo do não ser
em perfeição

não dói

matei a alegria
matei a cigana
matei o vagabundo e
não percebi que ao fazê.lo
me matava a mim
reduzida ao nada
feliz
no espaço que circunda
o estar no meio do conflito

deixem.me entregue às minhas loucas
fantasias onde bebo
( e porque não? )
os néctares que me aprouver
deixem.me
ser
a verdade
falsa do trio que desenhei
o vagabundo
a cigana e eu
três marginais no destino

estou tão cansada de ser bem comportada

valorizo hoje
amanhã destruo
a sobreposição de comportamentos e
de atitudes
como manda a santa madre igreja
os anjos
os arcanjos
os santos
os demónios
el.rei e
senhor

sou muito bem comportada

respeito a cor
o grito
o silêncio
o absurdo
a redundância
tudo começa a fazer sentido

ausento.me em cansaço

olho o outro lado da rua

não vejo o vagabundo
terei sonhado?
a cigana sumiu
terei efabulado?
não me revejo
estarei acordada?

é necessário que alguém vigie
os extra.terrestres acabam de ocupar
o centro da avenida
têm olhos redondos
nariz redondo
orelhas redondas
barriga redonda
a boca
é afiada
ah! têm duas línguas
bífidas
como as serpentes que procuram a estrada
cabeças erguidas na morte
as cadeiras
aprumadas
continuam à espera que o espectáculo comece
os actores não comparecem

[ alguém inverteu os papéis ]

apagam.se os projectores


deliberada
............. mente

antes de retomar a minha intervenção ,tendo como ponto de partida a origem grega da palavra POIESIS – como substantivo ,género feminino - traduzindo acção de fazer e concebida em quatro tempos distintos ,a saber
1 .criação ( como oposição à praxis ),
2 .acção de compor poesia ( reportando.nos à inteligência )
3 .arte da poesia
4 .obra poética
diferenciando.a de POIEMA - substantivo, género neutro - “o que se faz” –
isto é
1 .obra,
2 .“produção” de poesia ,de poema ,de versos isolados
3 .ficção
4 .acção de fazer a obra.
se atendermos à evolução da palavra até aos dias de hoje ,verificamos que as diversas acepções de POEMA nem sempre são muito precisas, e, em muitos casos, confundem-se com o conceito de POESIA, muito embora e ,de um modo geral ,POEMA seja entendido como uma das expressões possíveis da POESIA.
consideremos algumas definições ,normalmente ,aceites:
1. obra literária em verso;
2. obra literária em prosa ,mas de estilo poético;
3. arte de escrever em versos;
4. maneira de versejar própria de um autor ou de um determinado estilo;
5. o que desperta o sentimento estético do “belo”;
6. actividade linguística que procura criar com a linguagem um estado psíquico de emoções estéticas
neste último caso ,a língua transcende a função de meio de comunicação ,para tornar.se ,ela mesma ,objecto de comunicação ,servindo de matéria-prima para a obra de arte literária
assim ,a aplicação artística de uma língua torna.se espontânea ,e ,encontra.se em todos os tipos de sociedades ,mesmo as mais rudimentares ,quer na sua vida material ,quer espiritual.
como expressão linguística ,o poema tende a organizar.se em frases ritmadas ,com base na entonação ,no número de sílabas ,na distribuição mais ou menos regular ,ou até mesmo irregular ,das sílabas acentuadas ,tornando.se ,destarte ,numa série de versos.
para o poeta e diplomata mexicano Octavio Paz
- “o poema” é uma palavra semanticamente instável, que se vincula, pela etimologia e por natureza, à poesia ,e ,o poema é uma composição literária de índole poética ,isto é ,“um organismo verbal que contém, suscita ou segrega poesia” ( sic ).
a conexão ortodoxa entre poema e poesia implica ,ainda para o referido poeta ,um juízo de valor, ainda que de primeiro grau ,porque todo o poema encerra poesia, e vice-versa ,e ,assim ,sistematicamente, a poesia identifica.se com o poema.
a correlação, no entanto ,observa.se ,apenas ,como tendência histórica ,já que “existem poemas sem poesia”,e a poesia pode surgir ( e porque não? ) no âmbito da estrutura formal de um romance ou de um conto, de modo que muitos autores consideram que um poema pode ser estruturado não apenas em versos, mas também em prosa.
o mesmo Octavio Paz ,numa forma assaz poética ,acresce: “[...] o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, colectiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tenha nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!”
então ,que conexão existe entre poesia e poema?
será que se confundem?
Aristóteles dizia que “nada há de comum, excepto a métrica, entre Homero e Empédocles e por isso ,chama.se poeta ao primeiro e filósofo ao segundo
e ,de facto ,assim é
nem todo o poema contém poesia ,do mesmo modo que há poesia sem poemas .mas é no poema que a poesia se recolhe e/ou se revela ,plena
é lícito ,então ,perguntar ao poema pelo ser da poesia ,porque o poema não é apenas uma forma literária ,mas o lugar de encontro entre a poesia e o ser humano
por excelência ,o poema é um organismo verbal que contém, suscita e emite poesia
logo ,forma e substância são a mesma coisa
algumas teorias da literatura ,mais redutoras ,pretendem reduzir a géneros a vertiginosa pluralidade de um poema .no entanto ,esta pretensão ,em nosso entender ,padece de uma dupla insuficiência:
1º - porque reduz a poesia a umas tantas formas - épicas ,líricas ,dramáticas
[ então ,e ,como muito bem pergunta Octavio Paz – que continuará a acompanhar.nos esta noite - o que faremos com os romances ,os poemas em prosa ou ,por exemplo ,Os Cantos de Maldoror (de Lautréamont) ou Nadja (de Andre Breton)? ]
2º - todas as actividades verbais ,para não abandonar o âmbito da linguagem ,são susceptíveis de mudar de signo e transformar.se em poemas ,pelo que as classificações mais tradicionais e mais fechadas podem tornar.se demasiado redutoras
cada poema é um ser único, especial e irrepetível
a única característica que os poemas têm em comum consiste em serem obras humanas, como o quadro de um artista plástico ou a cadeira de um marceneiro.
são ,no entanto ,obras diferentes ,porque entre os poemas não há uma relação de causa e efeito ,como se verifica com os instrumentos de trabalho
eis.nos chegadas ao cerne da nossa presente intervenção .ao seu título .ao repto que nos foi lançado

- Diálogos com a Ciência

haverá entre a Poesia e a Ciência diálogos possíveis?
como realidades distintas ,todavia ,comunicáveis ,claro que sim .ambas pressupõem o outro .quem lê
todavia ,técnica e criação ,utensílio e poema são realidades distintas
cada poema é um objecto único ,criado por uma “técnica” que morre no instante da criação
além disso ,aquilo que se pode chamar “técnica poética” não é transmissível ,porque não é feita de receitas ou de fórmulas ,mas sim de invenções e subtis jogos com a linguagem que servem ,essencialmente ou tão só ,o poeta

na construção formal de um poema ,exploram-se as possibilidades da linguagem em geral e de uma língua ,em particular
1 .no som
2 .nas palavras
3 .na associação de ideias
4 .na construção de versos - utilizando-se o ritmo ,a harmonia ,a rima ,a assonância ,a aliteração ,as figuras de estilo ou as figuras de sintaxe
para Jean Cohen ,por exemplo ,um poema deve ser breve ,limitado e obediente a certos requisitos formais ,visto traduzir.se numa “técnica linguística de produção de um tipo de consciência que o espectáculo do mundo não produz ordinariamente”.
por outro lado ,Antonio Quilis, define o poema “como um contexto linguístico no qual a linguagem, tomada no seu conjunto de significante e significado ,alcança uma nova dimensão formal ,que ,segundo a vontade do poeta ,realiza-se potenciando os valores da linguagem através do ritmo”.
o poema é feito de palavras ,seres equívocos que connosco brincam e que, sendo cor e som ,também são significado, do mesmo modo que um quadro também será um “poema” , se for algo mais que uma mera linguagem pictórica
para além de ser palavra ,o poema constitui.se na História ,sem deixar de transcender a própria História ,na medida em que todo o poema se manifesta num determinado tempo ,numa certa realidade ,num preciso contexto social
para alguns ,o poema é a experiência do abandono .para outros ,do rigor e da alteridade ,porque cada um procura algo no poema ,algo que ,no entanto e sem o saber ,traz dentro de si
o poema é de facto ,uma possibilidade aberta a todos ,independentemente do eu ,mas que só toma corpo ,quando encontra um leitor ou um ouvinte .há ,assim ,uma característica comum a todos os poemas ,sem a qual nunca haverá POESIA – a comunicação
o poema é ,ainda ,mediação ,porque graças a ele ,o tempo original - “pai dos tempos” – intervém no momento em que se alimenta a si próprio e transmuta o homem ,e ,assim ,a leitura de um poema mostra uma enorme similitude com a criação poética ,como nos afirma a poeta brasileira ,Sílvia Regina Pinto ,“O poeta cria imagens ,poemas .o poema faz do leitor imagem, poesia, pois é via de acesso ao tempo puro, imersão nas águas originais da existência. A poesia não é nada senão tempo, impulso rítmico perpetuamente criador

vejamos como exemplo ,as duas primeiras estrofe do ‘metapoema’ Motivo ,de Cecília Meireles:

“Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.

Irmão das coisas fugidia,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
No vento.”

há ,no entanto que levar em linha de conta que o tempo do poema não tem nada a ver com o tempo cronológico
comumente ,diz.se - “o que passou, passou”
para o poeta ,porém ,o que passou volta a materializar.se
senão vejamos -
o poeta - disse o centauro Quíron a Fausto - não está amarrado pelo tempo”.
e este responde: “Aquiles encontrou Helena fora do tempo”.
Fora do tempo? Melhor ,no tempo original”.

destarte o poema ,inicialmente ,um arquétipo ,converte.se quando alguém repete os seus versos ,cuja função é recriar o tempo

vejamos um pequeno exemplo poético dessa questão temporal, destacado do Cancioneiro de Fernando Pessoa:

“Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
nessa minha infância
que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
fui-o outrora agora.”

deste modo ,o poema é uma totalidade encerrada dentro de si mesma ,cuja unidade não é o sentido ou a direcção significativa ,mas sim o ritmo ,havido não apenas como medida, mas, fundamentalmente ,como visão do mundo ,e ,assim ,Moral ,Política ,Técnica ,Filosofia ,enfim ,tudo o que chamamos Ciência tem as suas raízes no ritmo...

recorremos ,mais uma vez ,ao Cancioneiro de Fernando Pessoa:

“No piano anónimo da praia
tocam nenhuma melodia

De cujo ritmo por fim saia
todo o sentido deste dia.”

à laia de conclusão e partindo de tais pressupostos ,não há a mais pequena sombra de dúvida que a Ciência e a Poesia ,se bem que pertencentes à mesma busca imaginativa do Homem ,se encontram ligadas a domínios diferentes de conhecimento e de valor.
o poema cresce da intuição criativa ,da experiência humana singular e do conhecimento do poeta. a ciência ,por seu lado ,gira em torno do fazer concreto ,da construção de imagens comuns ,da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento colectivo sobre o mundo circundante .tem como vínculo ,ao contrário do poema ,representar o comportamento material .mais do que a leitura poética ,tem a capacidade de permitir a previsão e a transformação directa do entorno material
mas - em tudo há sempre um MAS - as aproximações entre a Ciência e a Poesia ,se vistas dentro do mesmo sentimento do mundo ,revelam.se riquíssimas ,porque a criatividade e a imaginação têm em comum o “húmus” com que se nutrem
além disso ,as incertezas de uma realidade complexa que podem transformar.se em versos ,também podem ser representadas por formas matemáticas
nos tempos actuais ,em que a Ciência e a Tecnologia impregnam a nossa Cultura e o nosso quotidiano ,o poema pode parecer um anacronismo ,do mesmo modo que as muitas pequenas verdades científicas constituem uma abordagem incompleta e limitada do mundo
há ,todavia ,um aspecto ,no que concerne ainda ao poema que gostaria de destacar ,antes de terminar a minha intervenção
respeita à métrica e ao ritmo
não são a mesma coisa .o ritmo é inseparável da frase - não é composto só de palavras soltas ,acentos e pausas ,de imagem e sentido - e apresenta.se como uma unidade indivisível e compacta que constitui o verso
a métrica ,pelo contrário ,é uma medida abstracta e independente da imagem
esta distinção é assaz pertinente ,porque inibe chamar poemas a um grande número de obras que, por pura inércia ,ainda constam ,como tais ,nos Manuais de Literatura ,ao contrário de outras ,como “Alice no País das Maravilhas” ,de Lewis Carroll ,ou “El Jardín de los Senderos que se bifurcam” ,de Jorge Luis Borges ,para só referir estas duas ,que deveriam ser classificadas como poemas ,porque nelas a prosa nega.se a si mesma e as frases não se sucedem obedecendo a uma ordem conceptual ou narrativa ,mas são ,tão só ,presididas pelas leis da imagem e do ritmo

e agora sim ,a terminar ,eis a minha provocação ,lançada a todos ,público e mesa - ou não me chamasse gabriela rocha martins - inserida no dicionário de Joseph Shipley:
-qualquer composição em verso - e nenhuma que não o seja - é sempre definida ,seja ela boa ou má ,poema ,por todos os que não possuem outra forma de a classificar.




muito obrigada.


bibliografia consultada:

BOSI ,Alfredo .O ser e o tempo da poesia :1983;
COHEN ,Jean .Structure du langage poétique :1966;
MEIRELES ,Cecília .Obra Poética ,1958;
PAZ ,Octávio .O Arco e a Lira ,1982;
PAZ ,Octávio .Signos em Rotação , 2ª ed. ,1976;
PESSOA ,Fernando .Obra Poética ,1983;
QUILIS ,António .Métrica Espanhola, Barcelona :2ª ed. corrigida y aumentada, 1985;
SHIPLEY ,Joseph .Dictionary of World Literature ,New Jersey: Littleford ,Adams & Co.


Porto ,11 de Fevereiro de 2010

Ciência e Poesia








1ª Intervenção no Porto –( lida pela Poeta Maria Azenha )


Pediram.me que não ultrapassasse os 20 minutos na minha intervenção, como se um tema de tal natureza pudesse ser espartilhado em tão poucos minutos .Vou tentar fazê.lo, na certeza de que, fosse qual fosse a abordagem que fizesse, ficaria sempre muito aquém ..... E isto tem a ver com o tema proposto – Ciência e Poesia.
Interessante, assaz curioso, para uma troca de ideias que se pretende profícua, apesar das imensas armadilhas que o mesmo acarreta. E falo em armadilhas, na medida em que me questiono - será que a Ciência e a Poesia se aproximam ou distanciam? Acaso têm algo em comum?
Retrocedo, então, aos finais do séc. XIX, princípios do séc. XX, época de profundas alterações, a fim de tentar algumas respostas ,se acaso as conseguir...............
Segundo Gaston Bachelard, filósofo e professor francês, que vem a exercer uma profundíssima influência nos pensadores contemporâneos, o homem pensativo, ou seja, aquele que segue a vertente da subjectividade, logo o Poeta, opõe.se ao pensador que obedece ao princípio da objectividade - o Cientista -. Assim sendo, e, numa primeira asserção, parece, de facto, que Poesia e Ciência nada têm em comum. Mas ,curiosamente, o estudo dos símbolos suscitado pelos elementos naturais, demonstra a enorme complementariedade existente entre “o homem pensativo e o pensador”, revelada pela própria análise do conhecimento objectivo.
De facto, a revolução que se produziu nas Ciências, em finais do século e início do outro, levou Bachelard a repensar as relações entre a Razão e a Experiência, sendo que esta não pode ser uma simples verificação duma hipótese sugerida pela observação, como pretendiam os Empiristas. Hoje em dia, a Ciência moderna vai do racional ao real, isto é, começa pela construção teórica abstracta e, racionalmente, produz um “processus experimental”.
Destarte, a epistemologia bachelardiana – ou o estudo científico da História das Ciências – procura demonstrar que a Ciência procede por descontinuidade. Cada progresso constitui um corte em relação a um saber anterior, admitido como ultrapassado. O espírito científico avança por cortes em relação às imagens e aos símbolos do pensamento e da tradição, assim como as aparências sensíveis fornecidas pela experiência espontânea.
Mas é a herança científica que serve de base ao novo espírito científico. É por esta razão que Bachelard preconiza a “Filosofia do Não”, - pela qual nutro uma particular simpatia - ou seja, o investigador é todo aquele que trabalha na rectificação do saber.
Nesta mesma linha de pensamento, Michel Foucault insiste nas rupturas e descontinuidades que, ao longo dos séculos, deram, dão e darão origem ao saber e ao evoluir das práticas humanas.
Partindo de tais pressupostos de ordem filosófica, não há a mais pequena sombra de dúvida que a Ciência e a Poesia pertencem à mesma busca imaginativa humana, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor.
A Poesia cresce da intuição criativa, da experiência humana singular e do conhecimento do poeta.
A Ciência, por seu lado, gira em torno do fazer concreto, da construção de imagens comuns, da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento colectivo sobre o mundo circundante. Tem como vínculo, ao contrário da Poesia, o representar o comportamento material .Mais do que a leitura poética, tem a capacidade de permitir a previsão e a transformação directa do entorno material .
Dizia Einstein – não superestimem a ciência e os seus métodos quando se trata de problemas humanos!
A Poesia (como forma de arte) constitui uma necessidade urgente de afirmação da experiência individual e uma visão complementar e indispensável da experiência humana.
E porque a minha intervenção tem por finalidade originar uma posterior troca de ideias, gostaria, aqui e agora, de pegar num poema da Literatura portuguesa escrito por Camões e que aborda, a par da glória, sucesso e insucesso das armas da gente lusa, temas de astronomia e da visão geocêntrica hegemónica do séc. XVI - A Máquina do Mundo, in Os Lusíadas – Canto X – 80/90.

Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elementar, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o
entende,
Que a tanto o engenho humano não se
estende.
Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos que em si
tem,
Que está com luz tão clara radiando,
Que a vista cega e a mente vil
também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que Ele só se entende e
alcança,
De quem não há no mundo
semelhança.
Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e
Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.
E também, porque a Santa
Providência,
Que em Júpiter aqui se representa,
Por espíritos mil, que tem prudência,
Governa o Mundo todo que sustenta
(Ensiná-lo a profética ciência,
Em muitos dos exemplos que apresenta:
Os que são bons, guiando, favorecem,
Os maus, em quanto podem, nos
empecem);
Quer logo aqui a pintura, que varia,
Agora deleitando, ora insinando,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando;
Nem nega que esse nome preminente
Também aos maus se dá, mas
falsamente.
Enfim que o sumo Deus, que por
segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E, tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda:
Debaixo deste círculo, onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro,
Que não se enxerga: é o Mobile
primeiro.
Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que dentro tem no seio;
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
O dia e noite faz, com curso alheio.
Debaixo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e subjugado a duro freio,
Que, enquanto Febo, de luz nunca
escasso.
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.
Olha estoutro debaixo, que esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Com largo Cinto de ouro, que estelantes
Animais doze traz afigurados,
Aposentos de Febo limitados.
Olha, por outras partes, a pintura
Que as estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrômeda e seu pai, e o Drago
horrendo.
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.
Debaixo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaixo, bélico inimigo;
O claro Olho do céu, no quarto
assento,
E Vênus, que os amores traz consigo,
Mercúrio, de eloqüência soberana;
Com três rostos, debaixo vai Diana.
Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros
leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre onipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem co Mar a Terra por seu centro.
Outros poetas da Língua portuguesa abordaram e abordam, também, mas sob diferentes ópticas, este mesmo tema, como o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, o físico, poeta e divulgador português, Rómulo de Carvalho que, como sabem, escrevia com o pseudónimo António Gedeão e o poeta brasileiro moderno Marco Lucchesi.
Por seu lado, o poeta Vicente Ferreira da Silva, aqui presente, preocupado com a visão quântica do mundo, oferece.nos – entre muitos - este belíssimo poema:

MEMBRANAS

metamorfoses inconstantes evoluem nas (r)evoluções
das maçãs. pobre Newton! no caminho do ínfimo, a
mecânica produziu incerteza. nenhuma esfera de vidro
resistiu! só há inércia nos estilhaços de rubis translúcidos.

o retorno apenas é possível pela alquimia dos sentidos,
pela busca do elo dos multi-Versos interiores. quais
cascatas verdes? sustenta-te nas terras das águas azuis.
não te esqueças que as estrelas são corpetes de jóias lilases.

animal político? por isso não existe lei sem paixão! já
tentaste Estagira? fazes bem! de qualquer maneira não
é inteiramente redutor. pensa na alternativa, a Cidade
do Sol, e reparte-te no espírito da entidade cósmica.

qual a velocidade para se viajar entre galáxias? simples.
terá que ser geometricamente proporcional à distancia a
percorrer. no entanto, nada se afasta. é o espaço que se
expande! e aí chegarás ao pensamento do coração branco.

vês agora porque sigo golfinhos às quintas e as nebulosas
laranjas pela manhã? são a chave para a vibração pulsante
nos perfumes dos oceanos astrais. ou física em poeiras! no
acelerador de probabilidades internas dum orbe carecido.

que hei-de fazer? gosto de gatos siameses! principalmente,
em buracos de par nove. são mais resistentes. e meigos.

mas nunca abandonarei o imaginário vivo dos teus verbos.

[ Vicente Ferreira da Silva ,in "Interlúdios da Certeza"] ,

e

Maria Azenha, a poeta síntese, ou aquela em cuja obra se preconiza tudo o que tenho vindo a afirmar anteriormente - o corte entre dois momentos de criação: o lugar de onde parte, realista, e o lugar a onde chega, fantástico. De facto, há uma brincadeira muito séria, originada na realidade e que, na sequência do seu evoluir poético, se lança nos territórios mítico e absurdo, como poderemos observar neste poema.adivinha transcrito em Triplov, por Maria Estela Guedes:
o meu tio por exemplo
que já morreu e tinha por sinal
a alcunha de Poliban
enterrava todos os dias
um pedaço da minha tia
dentro do colchão

(isto é para disfarçar a palavra
que devia ser dita e não disse)

Que palavra é essa que devia ser dita e não é? Que exercício é proposto ao leitor? Taliban – sugere.nos a Estela.

[“A Alma Azul de Maria Azenha”, por Maria Estela Guedes].

E é, precisamente, com estes poemas, de dois poetas que me são muito caros, que termino este meu passeio científico.poético. Faço.o do mesmo modo que o iniciei. Isto é. Com as dúvidas que o tema , ora, me suscitou e suscita – outras ficarão para depois....
Afinal, como funciona a Ciência? Que semelhanças e diferenças aparenta com a Poesia? Quais os impactos do pensamento científico na cultura humana? Qual o papel que a Poesia desempenhou na introdução das ideias científicas em vários momentos da História? Até que ponto os usos e abusos da Ciência e da Tecnologia nos ameaçam? Quais e como percebem os Poetas as limitações da Ciência?
Atrevidamente, ouso uma resposta, afirmando, tão só - não sou poeta, daí a minha presente dificuldade, mas sim uma Vagamunda da Palavra que acredita “na Ciência que sonha e no Poema que investiga”

Porto ,12 de Novembro de 2009 ,in Revista Triplov .



Diálogos Com a Ciência - Ciclo de Conferências





A multiplicidade de meios para a divulgação do saber está em expansão acelerada. Tal deve-se não somente ao avanço do conhecimento científico e às novas tecnologias, como também à reinvenção das formas de interacção com a palavra. Com o intuito de estreitar os laços entre a sociedade e a Universidade, a Reitoria da Universidade do Porto apresenta o ciclo de conferências Diálogos com a Ciência, onde será abordada a simbologia da palavra em diversos campos do conhecimento.

RELIGIÃO E CIÊNCIA
8 Outubro 2009 - 21:30
Bispo do Porto e Carlos Fiolhais

A SIMBOLOGIA DA PALAVRA NA CIÊNCIA MILITAR
29 Outubro 2009 - 21:30
Loureiro dos Santos, José Rodrigues do Carmo e Paulo Portas

POESIA E CIÊNCIA
12 Novembro 2009 - 21:30
Gabriela Rocha Martins, Valter Hugo Mãe e Teresa Tudela

CIÊNCIA E HUMANISMO
26 Novembro 2009 - 21:30
Luís Oliveira, João Lobo Antunes e Maria do Sameiro Barroso

CIÊNCIA E ESOTERISMO
17 Dezembro 2009 - 21:30
Maria Flávia de Monsaraz, Luís Resina e Estela Guedes

CIÊNCIA E CIDADANIA
14 Janeiro 2010 - 21:30
Fernando Nobre, Adriano Moreira, Rui Marrana

CIÊNCIA E ARTE
28 Janeiro 2010 - 21:30
Paulo Cunha e Silva, Rui Vieira Nery, Heitor Alvelos e Paulo Ribeiro

POESIA E CIÊNCIA (II)
11 Fevereiro 2010 - 21:30
Gabriela Rocha Martins, Alice Macedo Campos, Nuno Júdice e Vitor Oliveira Jorge

CIÊNCIA E ÉTICA
25 Fevereiro 2010 - 21:30
Alexandre Quintanilha, Palmira F. Silva, Mª Beatriz Porto e Vasco Pinto Magalhães s.j.

RELIGIÃO E CIÊNCIA (II)
11 Março de 2010 - 21:30
José Augusto Mourão, Sheik David Munir, Celeste Natário e Paulo Borges


SESSÃO DE ENCERRAMENTO
18 de Março - 11h00
Ciência Política (Portugal e a Europa nos contextos globais)
Aníbal Cavaco Silva - a confirmar
José Manuel Durão Barroso - a confirmar



Alguns registos da apresentação do CD -"O Mar Atinge.nos", de Maria Azenha




Maria Azenha, a Poeta dos afectos




Maria Azenha e gabriela rocha martins



Maria Azenha autografando CDs
( dois poetas trocando cumplicidades - Maria Azenha e Fernando Esteves Pinto )
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Excerto do texto de apresentação:


(...) “O Mar Atinge.nos”, de Maria Azenha, é um CD de maturidade, um vinho que se vai degustando gota a gota, faixa a faixa, e que nos toca, quer através de uma doce melancolia que perpassa ao longo dos sons da guitarra portuguesa, quer nos rituais em que as palavras, ductéis, com ela, guitarra, participam.
Raros são, hoje em dia, os Poetas que, como Maria Azenha, detêm esta capacidade de abrir as suas gavetas para delas retirar referentes sociais – sempre presentes mas nem sempre legíveis -, neste gesto tão nobre, quanto transgressor, que a escrita implica.
Com efeito e em síntese, ouvem-se, neste projecto, ecos de uma mestria simbolista e, Maria Azenha, ao "jogo subtil das palavras" contrapõe "um silêncio no outro lado da palavra", isto é, os seus poemas podem viver bem alto ou remeter-se ao silêncio, por mais audível que este seja. Uma vez por outra, os poemas encontram um ritmo de corcel, um ritmo de estro inspirado, sendo, ainda de considerar, as suas preocupações sociais com a transformação do mundo.
Se a fragmentação em guitarra/voz/sons/palavras foi o caminho escolhido por Maria Azenha para dar corpo a este belíssimo Poema, no qual os referentes constitutivos estão claramente definidos, o conjunto das faixas delimita, com uma complexidade comovente, o território dos afectos, nunca totalmente revelado, das sensações, das recordações, da realidade gritante, dando vida a muitos dos seus fantasmas.
Repudiando simulacros, Maria Azenha (re)constrói.se, ao repudiar o formalismo lírico ou ao acentuá.lo - caso, por exemplo, do poema com que abre o CD - sempre que a narrativa, imposta pela guitarra, o exige.
Não estamos muito longe da verdade quando afirmamos que, em "O Mar Atinge.nos", Maria Azenha percorre, mesmo quando desarmada, os labirintos da natureza humana, dissecando.os, em busca da sua essência.
E ,
rendo.me deslumbrada a este belíssimo projecto, com que a minha “irmã”, Maria Azenha, nos presenteou……
-gabriela rocha martins,
28 de setembro de 2009.

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Um pouco mais da apresentação do CD - "O Mar Atinge.nos" em Bosque Azul e Margens da Poesia



Apresentação do livro "Crónicas....Retratos que a vida me mostrou"






“Crónicas…..Retratos que a vida me mostrou”
, de Silvério Martins




exmas Senhoras
exmos Senhores
amigos,



pediu.me, não sem um misto de admiração, porque inesperado, o Sr Silvério Martins, que fizesse a apresentação do seu livro “Crónicas…retratos que a vida me mostrou”.
a minha primeira reacção, porque não sou crítica literária, foi de aflição, de imediato, ultrapassada pela amizade de longa data e a cumplicidade mais recente que me ligam a este senhor.
depois, o desafio.
sempre fui uma mulher de desafios. gosto de os experimentar como fonte de enriquecimento pessoal…
foi o caso presente.
resolvi, então, e para se me tornar mais fácil o mister, colocar.me no papel de uma vulgar leitora que tem, entre mãos, um livro.
comecei a folheá.lo e, aos poucos, fui ficando presa às palavras. gosto de digerir palavras.
devagar, muito devagar……………………………
e as crónicas, ou os pequenos contos vívidos, começaram, um a um, a passar pela retina dos meus olhos antes de se fixarem no meu cérebro…

permitam.me, no entanto, um recuar no tempo
permitam.me que vos fale de um Senhor sério, de mão aberta e estendida, que na década de oitenta – quando o conheci – olhava o mundo e as coisas com um olhar sereno, mas vivo, como se a máquina do tempo lhe registasse momentos que só ele vislumbrava. não era homem de discursos. era um homem de registos. prendia.nos com os seus apertos de mão fortes, como quem agarra o mundo, e, olhava.nos para lá das aparências.
nessa altura, não sabia que escrevia…
mas não fiquei surpreendida, quando com ele me cruzei no exercício solitário da escrita.

longe vão os tempos em que os Escritores – ou os Escrevinhadores do real, como ouso enquadrar o meu amigo Silvério Martins ( permita.me que o trate assim ) - fundavam o essencial do seu exercício criador à mesa dos cafés, a escreviver as suas vivências estéticas. creio que Silvério Martins, pelo que me foi dado ler dos seus textos, não fugiu à regra. pelo menos, a regra dos registos.
havia, no entanto, um outro mundo que começava a demarcar.se, sobretudo, a partir dos anos setenta, e com ele, os Autores, um pouco à deriva, passaram a isolar.se, em busca da sua própria identidade.
foi o caso, entre muitos, de um António Lobo Antunes, de um Vergílio Ferreira, de um Herberto Hélder, uma Sophia de Mello Breyner Andresen ou de um Ruy Belo, não há muitos meses relembrados nesta casa e, particularmente, nesta sala, ao ousarem uma ruptura com as correntes literárias dominantes, tendo em conta que as rupturas, enquanto tal, trazem custos elevadíssimos às gerações que ousam continuar esses mesmos processos.
a literatura portuguesa, mormente os Cronistas, atravessa, hoje em dia, um período difícil, controverso e assaz pobre, com o aparecimento massivo de uma literatura light, a que alguns, e, muito bem, classificam de “lixo editorial”.
vivemos e somos uma Pátria dita de Poetas e Escritores. e se esta expressão, vale o que vale, raras são as edições que ultrapassam os mil exemplares de tiragem. isto porque os autores teimam em, mutuamente, se ignorarem, numa voragem intempestiva, agravados por uma crítica medíocre e culturalmente boçal, que pretende reduzir.nos a usufruidores acríticos, atordoados pelo consumismo de uma cultura de massas insuflada pelos canais televisivos, com toda a sua panóplia de mediocridades, nada, mas mesmo nada, inocente…
e a Literatura - todos nós o sabemos - porque formatizada nos discursos do poder e ao mesmo submetida, tem um resumidíssimo espaço de manobra.
resta.nos, no entanto, a persistência de alguns, que, mau grado a desordem geral, teimam em resistir, como actos isolados e residuais, a fim de estremecer o caos.

o meu contacto com a escrita de Silvério Martins, deu.se no Jornal Terra Ruiva, onde partilhamos a mesma página.
é uma prosa densa, melancólica, dorida, imbuída de um humor sofrido e recorrente, em que as imagens e os significantes geracionais se balizam no clacissismo dos seus referentes sintácticos e emotivos. senão, vejamos:
–“…com a voz embargada de emoção disse com dificuldade:
- obrigado senhor! como se chama?
- João.
- João quê?
-João Mais Nada
-E donde é?
- De Muito Longe”- ( pág. 34 )

passagem que, de imediato, me trouxe à ideia, Frei Luís de Sousa – “Romeiro, quem és tu?
-Ninguém!”

muito embora feito de várias crónicas, e, consequentemente, irregular de respiração, o presente título de Silvério Martins é um óptimo pretexto introdutório a uma escrita que se espera mais fecunda em títulos futuros, já que as presentes “Crónicas” demonstram um universo UNO e FECUNDO.
o tempo e os seus limites, a voragem que consome os corpos e os lugares - são elementos constitutivos desse UNO, tão bem descritos na sua terra de origem, Messines, que em algumas crónicas nos aparece como aldeia, para em outras nos sobressair já como vila.
são, também, memórias FECUNDAS de um Homem que, muito embora melancólico, não se deixa sucumbir, nunca, pela rotina dos dias cíclicos e sem lastro visível.
em “Com humor, troquei.lhe as voltas”, págs. 81-82, o autor encena, uma linguagem quase cinematográfica, à semelhança do neo realismo italiano de um “ladrão de bicicletas”, os sinais hilariantes do diálogo estabelecido entre os dois personagens da crónica.
mas é, sobretudo, o vazio existencial, na esteira de Jean Paul Sartre e Vergilio Ferreira, que perpassa ao longo destes 79 textos.

o estar com os seus mais íntimos momentos de reflexão, qual catarse, é marcante em Silvério Martins, e faz todo o sentido, quando, com certos laivos semelhantes à amargura desdramatizada heiderguiana, nos coloca perante o inevitável declínio da vida – “e agora, ao sentir.me na curva descendente da vida, compreendo como o fugaz convívio me transportou por momentos à adolescência fazendo.me lembrar cenas passadas no tempo da minha irrequieta e estouvada juventude, as frustrações que passei, os projectos que idealizei e os sonhos que me deram alento para continuar a viver e a lutar”,pag. 138, como se o tempo fosse, tão só, um outro momento referenciável.

em síntese, se a fragmentação em crónicas foi o caminho escolhido por Silvério Martins para dar corpo a este livro, os seus referentes constitutivos estão claramente definidos nos títulos que apresenta, dando vida a muitos dos seus fantasmas referenciais – o António Sainhas, o Nuno e a Alexandra, o Tóino da Júlia, o Eduardo, o Ti’Júlio, o Armindo Branco, o Ti Henrique da Estação, o Chico Pedro, o acordeonista Teixeira de Martilongo, o Zé Padeiro, o Manuel João, o Madeirinha, a Dorothy, o Bitoque, o Zé Nega, o Manuel Povinho, o Zé Piasca, o Manuel Branquinho, o Arsénio, o Chico, o Neves ( “messinenses com o sangue na guelra” – como o autor os descreve ) a par de um Gabriel Montou, Pitágoras ou Albert Einstein.
e assim, termino,
rendida ao deslumbramento metafórico deste “Crónicas…retratos que a vida me mostrou".

- gabriela rocha martins,
julho de 2008.





-vittorio zecchin.

o farol






_________o barulho do vento fenece o mar
vacila o olhar

…oscila…

em de gelo o faroleiro conduz um farol
timoneiro solitário dos horizontes

onde os talantes se hão.de saciar____________________________





no vazio das metáforas




já não há lugar para o sonho no vazio das metáforas
derramadas em textos tão iguais

hoje
perdeu.se o ritual sagrado

não há abraços nem beijos

- tanto faz -

há moribundos a abrir
risos escondidos em velhas lágrimas

indiferentes aos outros

um
pouco mais de gente a arrastar

silêncios


em des ordem







não tenho nada a dizer
não quero dizer
rigorosa mente
nada


escrevo como resultado de um colapso
raciocino em pequeno
lembro coisas ínfimas
descabidas numa frase
não existo
escavo em busca de mim
no barro
detida na paixão nascente
da desistência dos outros
espero


corta


insisto numa página
branca
minto



sépia
corta
tenho um centro
onde o redopio da chuva se
converte no chuveiro dos dias cinzentos



o ritmo da chuva
ácida
recorda os dias de chuva por dentro
lá fora
uma parede em trânsito
o quarto fechado
as águas furtadas a chuva
de novo a chuva
bate
nos vidros
onde se situa o centro
a desordem
insisto na escrita
tento


corta



escondo o raciocínio pequeno
sobre coisas pequenas
ínfimas
as minhas mãos
coladas às paredes
sulcadas de palavras
que aparecem e desaparecem em luz

elas e eu
na trajectória oblíqua
em direcção ao silêncio
no interior do silêncio desenhadas em cada livro
qualquer livro

lembro
esqueço
vivo
espero



ao encontro do a manh'ser dos dias atrasados
meu amor

















-nicoletta tomas.




Oficina de Poesia







o caçador//cativo




-ao joão rasteiro.
haviam.se em vão procurado nas cidades

percorreu continentes e
quando desistiu
encontrou.se solto no ritmo lento
de uma valsa
dançada em contra.mão

desintegrado

sentiu as ondulações das searas
que searou em dança lenta e
regressou estranho às recordações de antanho
antanho era a linguagem de seus avós

cresceu junto à terra gretada
pela fome das manhãs abertas e
desde cedo sentiu a boca
apagada pelo desejo de terra pão
fustigada pelo vento

pulou a cerca
construída sobre os dias
como as copas das árvores que
costumava ouvir à noite entregue
aos seus passos de caçador furtivo
numa dessas deambulações encontrou.a
solta
aproximou.se e ela a medo levantou as asas
no voo ferido




soltou os cães e
ficou suspenso à dança do animal
em voo
primeiro raso
depois mais alto
arribando em direcção ao mundo
em tons de mel
engrossou o batimento das asas
ao som da presa
o homem / caçador / cativo
daquele voar
enquanto filados
os cães esperaram a voz de comando

ele muito aquém da aventura
seguiu.lhe o volteio
o silêncio da terra foi o elo que os uniu

ele o caçador cativo
ela solta à migração
o desejo
deixou.os sob um manto de horas
semeadas a esmo
que estranho aquele olhar que
se projectou na mira do caçador
tornando.a vulnerável


o cúmplice
jogo do agarra e foge
ele o efabulador
regressou caçador
ela de asas fechadas
pronta a deixar.se prender
olhou.o
ele viu.se
projectado no olhar em flash

uma ave / dona




____________ -bogdan zwir.



Apresentação da Antologia "Os Dias do Amor"




Antologia "Os dias do Amor .Um poema para cada dia do ano", Ed. Ministérios dos Livros, 2009
recolha, selecção e organização de Inês Ramos



“Porque por amor enlouquecem os amantes, por amor se suicidam e matam (...), por amor o sacrifício, a entrega mística e a obstinação carnal, ou a entrega da carne e a obstinação mística, por amor os duelos reparados pela conciliação, por amor os territórios transfronteiriços, a abolição das fronteiras, o fim das dicotomias, por amor a paixão, por amor a morte, tudo isso num poema.”
Henrique Manuel Bento Fialho
(do Prefácio)

*******

Primeiro poema que consta desta
Antologia de Poesia:

Cântico dos Cânticos
(excerto)

IV

Como és bela minha amiga
como és bela
teus olhos quase pombas

por trás do véu
Teus cabelos feito um bando de cabras negras
debandando pela montanha de Galaad

Teus dentes feito um bando de ovelhas brancas
que vêm saindo do lavadouro
Aos pares como gémeos
e nenhum cordeiro a menos

Feito um fio escarlate teus lábios
e tua boca beleza pura
Feito metades de romã
tuas faces por trás do véu

Feito a torre de David teu pescoço
construída pelas altivas seteiras
Centenas de escudos pendentes de seu topo
todas as aljavas dos valentes

Teus dois peitos como dois filhotes
gémeos de uma corça
Que vão pastando entre rosas

Antes que assopre o dia
e se afugentem as sombras
Terei ido para a montanha de mirra
e para a colina do incenso

Tu és toda graça minha amada
e nenhuma jaça em ti

Comigo do Líbano esposa
Comigo do Líbano virás

(Salomão, Séc. X a. C.Israel)
(Tradução de Haroldo de Campos)


Sessões de Apresentação

Lisboa:
Fnac do Colombo, 29 de Janeiro, 18h30m

Porto:
El Corte Inglés, 5 de Fevereiro, 19h30m

Viseu:
Fnac Palácio do Gelo, 6 de Fevereiro, 21h

Faro:
Livraria Pátio de Letras, 14 de Fevereiro, 17 horas

Évora:
Bibliocafé Intensidez, 14 de Fevereiro, 21h30m

***


Lista dos autores (ordem alfabética):

Aaro Hellaakoski (Finlândia)
Adalberto Alves (Portugal)
Ady Endre (Hungria)
Affonso Romano de Sant'Anna (Brasil)
Agripina Costa Marques (Portugal)
Albano Martins (Portugal)
Albert Samain (França)
Alberto Augusto Miranda (Portugal)
Alberto Caeiro (Portugal)
Aleilton Fonseca (Brasil)
Alejandra Pizarnik (Argentina)
Alexandra Gil (Portugal)
Alexandra Rodrigues Malheiro (Portugal)
Alexandre Herculano (Portugal)
Alexandre Nave (Portugal)
Alexei Bueno (Brasil)
Alfonso Álvarez de Villasandino (Castela)
Alfredo Carvalhais (Portugal)
Alice Vieira (Portugal)
Almeida Garrett (Portugal)
Al-Mu’tamid (Alandalus)
Alphonsus de Guimaraens (Brasil)
Álvares de Azevedo (Brasil)
Álvaro de Campos (Portugal)
Amadeu Baptista (Portugal)
Amélia Vieira (Portugal)
Américo Teixeira Moreira (Portugal)
Amy Lowell (EUA)
Ana de Sousa (Portugal)
Ana Francisco (Portugal)
Ana Hatherly (Portugal)
Ana Luísa Amaral (Portugal)
Ana Marques Gastão (Portugal)
Ana Paula Tavares (Angola)
Ana Salomé (Portugal)
Ana Viana (Portugal)
Andrej Morsztyn (Polónia)
Andrew Marvell (Reino Unido)
Anne Bradstreet (Reino Unido)
Anónimo (Índia)
Anónimo (Portugal)
Anónimo (Portugal)
Antero de Quental (Portugal)
António Barbosa Bacelar (Portugal)
António Cabrita (Portugal)
António Dinis da Cruz (Portugal)
António Feijó (Portugal)
António Feliciano de Castilho (Portugal)
António Ferra (Portugal)
António Ferreira (Portugal)
António José Queirós (Portugal)
António Ladeira (Portugal)
António Nobre (Portugal)
António Osório (Portugal)
António Patrício (Portugal)
António Ramos Rosa (Portugal)
António Salvado (Portugal)
António Sardinha (Portugal)
Armando Silva Carvalho (Portugal)
Arthur Rimbaud (França)
Augusto Gil (Portugal)
Aurelino Costa (Portugal)
Bai Juyi (China)
Balassi Bálint (Hungria)
Bashô (Japão)
Beatriz Barroso (Portugal)
Ben Jonson (Reino Unido)
Bernardete Costa (Portugal)
Bernardim Ribeiro (Portugal)
Bernardino Lopes (Brasil)
Bernardo de Passos (Portugal)
Bíon (Grécia)
Bocage (Portugal)
Caetano de Costa Alegre (São Tomé)
Camilo Castelo Branco (Portugal)
Camilo Mota (Brasil)
Camilo Pessanha (Portugal)
Campos d’Oliveira (Moçambique)
Campos Monteiro (Portugal)
Carlos César Pacheco (Portugal)
Carlos Garcia de Castro (Portugal)
Carlos Machado (Brasil)
Carlos Vaz (Portugal)
Casimiro de Abreu (Brasil)
Casimiro de Brito (Portugal)
Castro Alves (Brasil)
Catarina de Lencastre (Portugal)
Cesário Verde (Portugal)
Christina Georgina Rossetti (Reino Unido)
Christopher Marlowe (Reino Unido)
Claudio Daniel (Brasil)
Conde do Vimioso (Portugal)
Cristina Maria da Costa (Portugal)
Cristóvão Falcão (Portugal)
Cruz e Sousa (Brasil)
Csokonai Vitéz Mihály (Hungria)
D. Afonso Sanches (Portugal)
D. Dinis (Portugal)
D. Francisco Manuel de Melo (Portugal)
D. Sancho I (Portugal)
Dama Kasa (Japão)
Dama Otomo no Sakanoe (Japão)
Daniel Camacho (Portugal)
Daniel Faria (Portugal)
Daniel Gonçalves (Portugal)
Daniel Maia-Pinto Rodrigues (Portugal)
Dante Alighieri (Florença)
Décimo Magno Ausónio (Gália)
Delfim Guimarães (Portugal)
Diego Armés (Portugal)
Diogo Bernardes (Portugal)
Diogo Brandão (Portugal)
Domingos dos Reis Quita (Portugal)
Donizete Galvão (Brasil)
E. M. de Melo e Castro (Portugal)
Edgar Allan Poe (EUA)
Edimilson de Almeida Pereira (Brasil)
Edith Goel (Israel)
Edith Södergran (Finlândia)
Edmund Spenser (Reino Unido)
Eduarda Chiote (Portugal)
Eduardo M. Raposo (Portugal)
Eduíno de Jesus (Portugal)
Eeva Kilpi (Finlândia)
Egito Gonçalves (Portugal)
Emily Dickinson (EUA)
Ésio Macedo Ribeiro (Brasil)
Eugénio Tavares (Cabo Verde)
Eunice Arruda (Brasil)
Fernando Aguiar (Portugal)
Fernando Cabrita (Portugal)
Fernando de Castro Branco (Portugal)
Fernando Esteves Pinto (Portugal)
Fernando Fábio Fiorese Furtado (Brasil)
Fernando Grade (Portugal)
Fernando Pessoa (Portugal)
Fernando Pinto do Amaral (Portugal)
Fernando Pinto Ribeiro (Portugal)
Fernando Ribeiro (Portugal)
Fiama Hasse Pais Brandão (Portugal)
Filinto Elísio (Portugal)
Firmino Mendes (Portugal)
Florbela Espanca (Portugal)
Francesco Petrarca (Toscânia)
Francisco de Quevedo (Espanha)
Francisco de Vasconcelos (Portugal)
Francisco José Viegas (Portugal)
Francisco Rodrigues Lobo (Portugal)
Frederico Barbosa (Brasil)
Frederico Hartley (Portugal)
Friedrich Gottlieb Klopstock (Alemanha)
Friedrich Hölderlin (Alemanha)
Fugiwara no Toshiyuki (Japão)
Fujiwara no Orikase (Japão)
Gabriela Rocha Martins (Portugal)
Gaio Valério Catulo (Roma)
Gastão Cruz (Portugal)
George Herbert (Reino Unido)
Geraldo Reis (Brasil)
Gerson Valle (Brasil)
Giacomo da Lentino (Sicília)
Gil Vicente (Portugal)
Golgona Anghel (Roménia)
Gomes Leal (Portugal)
Gonçalo Salvado (Portugal)
Gonçalves Crespo (Brasil)
Gonçalves Dias (Brasil)
Graça Magalhães (Portugal)
Gregório de Matos (Brasil)
Guerra Junqueiro (Portugal)
Guilherme Braga (Portugal)
Guilherme de Faria (Portugal)
Guillaume Apollinaire (Itália)
Hannes Pétursson (Islândia)
Henrique Lopes de Mendonça (Portugal)
Henrique Manuel Bento Fialho (Portugal)
Iacyr Anderson Freitas (Brasil)
Ibn ‘Ammar (Alandalus)
Ibn ‘Arabi (Alandalus)
Ibn Hazm (Alandalus)
Ibn Safar Al-Marini (Alandalus)
Ibn Zaydûn (Alandalus)
Imperatriz Yamatohima (Japão)
Inês Lourenço (Portugal)
Inma Luna (Espanha)
Isabel Cristina Pires (Portugal)
Isabel Mendes Ferreira (Portugal)
Ivo Barroso (Brasil)
Ivo Machado (Portugal)
Izumi-Shikibu (Japão)
Janus Pannonius (Hungria)
Jerónimo Baía (Portugal)
Joana da Gama (Portugal)
Joana Roque Lino (Portugal)
Joana Serrado (Portugal)
João Airas (Galiza)
João de Deus (Portugal)
João de Lemos (Portugal)
João Garção (Portugal)
João Lobeira (Portugal)
João Lúcio (Portugal)
João Manuel Ribeiro (Portugal)
João Penha (Portugal)
João Ricardo Lopes (Portugal)
João Rico (Portugal)
João Roiz de Castelo Branco (Portugal)
João Rui de Sousa (Portugal)
Joaquim Alves (Portugal)
Joaquim Cardoso Dias (Portugal)
Joaquim Cordeiro da Mata (Angola)
Joaquim Evónio (Portugal)
John Clare (Reino Unido)
John Donne (Reino Unido)
Jorge Casimiro (Portugal)
Jorge Reis-Sá (Portugal)
Jorge Sousa Braga (Portugal)
Jorge Velhote (Portugal)
José Agostinho Baptista (Portugal)
José Alberto Mar (Portugal)
José Anastácio da Cunha (Portugal)
José Carlos Barros (Portugal)
José Carrilho Raposo (Portugal)
José da Fonte Santa (Portugal)
José do Carmo Francisco (Portugal)
José Emílio-Nelson (Portugal)
José Félix Duque (Portugal)
José Luís Peixoto (Portugal)
José Manuel de Vasconcelos (Portugal)
José Mário Silva (Portugal)
José Miguel de Oliveira (Portugal)
José Rui Teixeira (Portugal)
József Attila (Hungria)
Judith Teixeira (Portugal)
Julião Bernardes (Portugal)
Kakinomoto no Hitomaro (Japão)
Kouo Yu (China)
Lassi Nummi (Finlândia)
Laureano Silveira (Portugal)
Leonilda Cavaco Alfarrobinha (Portugal)
Lety Elvir (Honduras)
Li Bai (China)
Lívia Tucci (Brasil)
Lord Byron (Reino Unido)
Luís Brito Pedroso (Portugal)
Luís de Camões (Portugal)
Luís de Miranda Rocha (Portugal)
Luís Filipe Cristóvão (Portugal)
Luís Lima (Portugal)
Mafalda Chambel (Portugal)
Manuel Alegre (Portugal)
Manuel Anastácio (Portugal)
Manuel Botelho de Oliveira (Brasil)
Manuel da Silva Gaio (Portugal)
Manuel Duarte de Almeida (Portugal)
Manuel Laranjeira (Portugal)
Manuel Moya (Espanha)
Manuel Neto dos Santos (Portugal)
Maria Costa (Portugal)
Maria Estela Guedes (Portugal)
Maria Helena Ventura (Portugal)
Maria João Fernandes (Portugal)
Maria José Lascas Fernandes (Portugal)
Maria O'Neill (Portugal)
Maria Teresa Horta (Portugal)
Mariana Angélica Andrade (Portugal)
Mário Castrim (Portugal)
Mário de Sá-Carneiro (Portugal)
Mário Lisboa Duarte (Portugal)
Mário Machado Fraião (Portugal)
Marquesa de Alorna (Portugal)
Martim Codax (Galiza)
Matthías Jóhannessen (Islândia)
Michael Drayton (Reino Unido)
Michelangelo Buonarroti (Toscânia)
Miguel d’Azur (Portugal)
Miguel Florián (Espanha)
Miguel Godinho (Portugal)
Miguel Martins (Portugal)
Mihai Eminescu (Roménia)
Murasaki-Shikibu (Japão)
Myriam Jubilot de Carvalho (Portugal)
Natércia Freire (Portugal)
Nicolau Saião (Portugal)
Nína Björk Árnadóttir (Islândia)
Nuno Fernandes Torneol (Castela)
Nuno Júdice (Portugal)
Nuno Rebocho (Portugal)
Olavo Bilac (Brasil)
Olivier de Magny (França)
Omar Khayyam (Pérsia)
Otília Martel (Portugal)
Ozias Filho (Brasil)
Paio Soares Taveirós (Portugal)
Paula Cristina Costa (Portugal)
Paulinho Assunção (Brasil)
Paulino de Oliveira (Portugal)
Paulo Ferraz (Brasil)
Paulo Ferreira Borges (Portugal)
Paulo Ramalho (Portugal)
Pedro Afonso (Portugal)
Pedro António Correia Garção (Portugal)
Pedro Gil-Pedro (Portugal)
Pedro Sena-Lino (Portugal)
Pêro de Andrade Caminha (Portugal)
Pero Gonçalves de Portocarreiro (Portugal)
Pero Meogo (Galiza)
Petofi Sándor (Hungria)
Philip Sidney (Reino Unido)
Pierre de Ronsard (França)
Prisca Agustoni (Brasil)
Propércio (Roma)
Queirós Ribeiro (Portugal)
Raquel Lacerda (Portugal)
Regina Gouveia (Portugal)
Ricardo Reis (Portugal)
Robert Burns (Reino Unido)
Rodrigo Eanes Redondo (Portugal)
Ronaldo Cagiano (Brasil)
Rosa Alice Branco (Portugal)
Rui Almeida (Portugal)
Rui Brás (Portugal)
Rui Caeiro (Portugal)
Rui Costa (Portugal)
Rui Diniz (Portugal)
Rui Gonçalves (Portugal)
Rute Mota (Portugal)
Ruy Ventura (Portugal)
S. João da Cruz (Espanha)
Sá de Miranda (Portugal)
Sa'adi (Pérsia)
Safo (Grécia)
Salomão (Israel)
Salvador Rueda (Espanha)
Sérgio Godinho (Portugal)
Sérgio Peña (México)
Silva Palma (Portugal)
Soares dos Passos (Portugal)
Soror Madalena da Glória (Portugal)
Soror Mariana Alcoforado (Portugal)
Soror Violante do Céu (Portugal)
Tchang Chouai (China)
Teresa Tudela (Portugal)
Thorkild Bjørnvig (Dinamarca)
Tiago Araújo (Portugal)
Tiago Nené (Portugal)
Tomás António Gonzaga (Portugal)
Tomás Ribeiro (Portugal)
Torquato da Luz (Portugal)
Torquato Tasso (Itália)
Tradição oral (Arábia)
Tua Forsström (Finlândia)
Uberto Stabile (Espanha)
Vasco Graça-Moura (Portugal)
Vera Lúcia de Oliveira (Brasil)
Vergílio Alberto Vieira (Portugal)
Victor Oliveira Mateus (Portugal)
Vítor Oliveira Jorge (Portugal)
Vladímir Maiakovski (Rússia)
Vörösmarty Mihály (Hungria)
Walter Raleigh (Reino Unido)
Wang Wei (China)
William Shakespeare (Reino Unido)
Yamabe no Akahito (Japão)
Yehudá Ha-Leví (Navarra)
Zhang Kejiu (China)

apareçam!




Dias do Amor


Recensão de Luciano Conceição da Rosa




Berlim, 16 de Outubro de 2008

Saltam rapidamente à vista alguns aspectos na tua produção literária, tanto do ponto de vista formal como temático. Do ponto de vista formal, nota-se uma certa predilecção pelo gosto lúdico que se exerce num virtuosismo gráfico com vista a desprender várias leituras simultâneas, com trabalho sobre o significante (o conceito de Saussure). Quer dizer, potencia-se o grafismo como libertador da pluralidade de sentidos ou da polissemia e nalguns casos (por exemplo: [In]sense) põem-se a funcionar analogias por semelhança remotivadora idêntica à que existe nas etimologias populares, embora o mais importante seja apenas a sugestão que fica a pairar e não qualquer leitura concreta em definitivo. A parte gráfica expande-se numa subversão das convenções usando-se o ponto em vez do hífen, ou a letra minúscula após um ponto, ou fazendo um uso nada canónico da vírgula, como em início de verso e pouco mais. E eu pergunto: esta subversão das convenções que vigoram para toda a gente num dado momento da História da Língua (pois, a língua natural é social e destina-se à comunicação) aparece nesta produção poética para facilitar outra leitura e outra prosódia? Se a resposta fosse sim, a subversão estaria legitimada. Caso contrário, não, tratar-se-á então de mero capricho sem qualquer alcance, nem mesmo de marca estilística de autor. Ponho isto à tua consideração e és tu que deves dar a resposta a ti própria. Ainda no campo formal, pode acontecer uma descontrução do significante como no poema Delete... me Enter. A descontrução acontece no lexema de língua inglesa e a dada altura aparece um "dele" que já pode ser lido ambiguamente, ora como parte de Delete, ora como, nesses escombros, uma palavra portuguesa. Quer dizer, toda a parte formal implica uma poesia metalinguística e metapoética, um trabalho sobre a língua com a língua e um trabalho sobre o poema com o poema. Também há algumas tautologias que se propõem funcionar como instâncias de evidência persuasiva ou alterna-se espírito lúdico com seriedade numa pulsão de quem ainda não se rendeu, de quem continua a alimentar o dilema...os dilemas temáticos de que falaremos mais à frente. Estas características formais estão em sintonia com o concretismo de certos poemas, ora concretismo sinestésico, ora concretismo minimalista. As metáforas de cariz superlativo relacionam o longínquo com o propínquo, nem sempre sem raiva pelos absurdos da existência.
E comecçamos a entrar nas temáticas poéticas do silêncio, do amor, da noite e da morte, talvez as mais marcantes. A poesia como uma feminilidade por excelência e a identidade (sentida em ínfimos pormenores da existência que se escoa desde a infância) aparecem em vários registos da tradição literária. Com efeito, ouve-se na arte poética de Delete.me ora ecos de mestria simbolista, ora uma heteronímia difusa numa passagem bem pessoana, ora explicitamente um roteiro de influências (Carlos de Oliveira, Neruda, Eugénio de Andrade, entre outros...). Opondo-se ao "jogo subtil das palavras" há "um silêncio no outro lado da palavra não escrita", ou seja, o poema pode viver bem alto, até acompanhado por outras manifestacoes artísticas (música, escultura...) ou remeter-se a expressão sigética suprema, quer dizer expressão do silêncio, por mais audível que este seja. Uma vez por outra, o poema encontra um ritmo de corcel, um ritmo de estro inspirado. E são muito de levar em conta as preocupações com a transformação do mundo. Há um intimismo amoroso ora explícito ora implícito, complexo, esquivo, evasivo, confessional, que circula entre o amor e a morte, eros e thanatos, e que parece realizar-se, embora de forma ambígua e ressentida ("sonhos confiscados...beijos roubados"). A presença de temas muito exóticos (como a huri, beldade muçulmana paradisíaca) pode justificar-se por Silves, a velha Xelb, outrora grande metrópole ibérica. Enfim, a poesia como ascese pode, finalmente, fecundar prosas poéticas, e até literatura infantil, para terminar num registo em que a memória se torna constitutiva.

Pequenos reparos:

Francamente não gosto da capa, provavelmente dissuasora de leitura para muita gente mais preconceituosa. Na badana traseira, há um "Bem hajam". Temos aqui o verbo haver como impessoal e, por isso, creio bem que esta forma não existe embora se ouça aqui e acolá. O meu Bem haja a todos, sim, pode ser. O Bem haja está substantivado. Ou como interjeição, Bem haja! Mas não Bem hajam, embora, repito, se ouça... Criaste o verbo amorar. Seria assunto para discutir longamente. Utilizas a forma "explode" como se o verbo fosse transitivo; admite-se, embora a norma exija o causativo: fazer explodir! Na pág. 43 aparece "bordel". Bordel? Não será burel ou bordão? Noutro poema aparece... "falece as baladas"... não será: falece às baladas? Noutro verso, aparece: "Só a judite... dividia-se..." tem dois sentidos semânticos: significa ora a única ou então algo como bastava/ou outra forma do verbo bastar. Falo nisto por causa da posição do clítico. Só a Judite se dividia (Judite= a única...) com o se à esquerda do verbo. Só a Judite dividia-se... com o se à direita do verbo implicando outro sentido que tem a ver com bastar. Na pág. 55 aparece: "atravessa uma frase", mas se calhar é: atravessa uma fase.Também usas o verbo insinuar (p. 57) como intransitivo quando ele é transitivo; está bem: é uma liberdade poética. Na pág. 58 aparece uma construção que soa a interferência do francês (passé composé): "ela nunca há sonhado..." embora seja correcto gramaticalmente, mas não pragmaticamente. Na pág. 60, "escadas que não conduzem a nenhures" (duas negações?) e que, penso, queres dizer: escadas que conduzem a nenhures. Há um poema onde escreves: sabe a mim, no sentido de tem sabor a mim ou sabe-me a mim. Não considero a forma muito feliz. Em partes dos textos em prosa, misturas vários níveis de língua sem grande critério. Parece-me que te podias desenvolver como boa escritora de literatura infantil. Estarei errrado?
O sempre amigo Luciano.


8 de março de 2008,
auditório da Caixa de Crédito Agrícola de São Bartolomeu
de Messines e São Marcos da Serra