Apresentação do livro "A Menina Marieta"








algumas considerações sobre a “A Menina Marieta”


antes de tecer algumas breves considerações sobre “A Menina Marieta”, gostaria ,em primeiro lugar ,de agradecer ,à Autora ,pelo facto de me ter convidado para apresentar ,em primeiríssima mão ,o seu livro .em segundo lugar ,às minhas “sobrinhas”  Carla Antunes e Suzete Candeias ,directoras do Jardim.Escola João de Deus ,de São Bartolomeu de Messines ,assim como a todo o Jardim.Escola  ,por terem viabilizado esta aventura que ,desde o primeiro momento ,se pretendeu diferente ,cansadas ,como estamos ,dos estereótipos das apresentações de livros .queria ,ainda ,lembrar ,grata ,todas e todos aqueles que tornaram possível este momento ,e ,sobretudo ,permitam.me que vos releve ,a vós ,ao aceitarem estar presentes ,neste momento em que ,para o mundo real ,”A Menina Marieta” inicia o seu longo e profícuo caminhar.
muito obrigada a todos!

passemos ,então ,às observações…………

“o leitor escreve para que seja possível” – escreveu ,um dia ,Manuel Gusmão .concordo em absoluto com esta sua afirmação ,razão porque a chamo para princípio desta apresentação …..
escreve ,no entanto ,para que sejam críveis as suas leituras .as suas ,dele leitor .tarefa nada fácil no que a mim concerne , pela escrita/leitura do livro e por tudo a que a mesma me remete.
primeiro ,e ,por muito objectiva que tente sê.lo ,não serei capaz e admito.o perante todos vós .não sou capaz ,porque há profundos laços de amizade e familiares ( a ordem dos factores não é arbitrária ,antes propositada ) que me ligam à Autora deste livro .depois ,a leitura do mesmo remeteu.me para os arquivos sagrados da minha memória e trouxe.me ,conscientemente, algumas/muitas recordações que havia deixado lá atrás ,numa gaveta bem fechada .de propósito ,a Autora obrigou.me a abri.la e a regressar a uma Praia da Rocha e a um Portimão que ,de tão vívidos ,se tornaram dolorosos .não foi nada fácil a leitura de “A Menina Marieta” .dei por mim abrindo e fechando o livro ,negando.o ,pegando.o ,colocando.o sobre a mesa de cabeceira ,até lê.lo à exaustão ,numa confusão de sentimentos que ,ab initio ,não entendi
.percebi.o ,porém ,no dia em que terminei a sua leitura …a minha tia Amparo obrigou.me a regressar à infância ,e ,às vezes estas regressões são assaz perigosas…. mas ,porque esse perigo não se nos apresenta ,há que debruçar.nos sobre as várias escritas que a Autora nos propõe e nós ,seus leitores ,pensamos que descortinamos…
como não sou crítica literária ,nem tenho essa veleidade ,será na minha condição de leitora e de vagamunda das palavras que tecerei alguns breves desideratos sobre “A Menina Marieta” e
começarei com uma afirmação controversa ,tão ao meu gosto de transgressora.
“A Menina Marieta” não é um romance de amor .sei que me vão cair em cima ao fazer tal afirmação .mas repito alto e em bom som – A Menina Marieta ,para mim ,não é um romance de amor .podem celindrar.me .não me importo ,porque sempre gostei de pensar e agir ( às vezes menos bem! ) pela minha própria cabeça .assim ,reafirmo que “A Menina Marieta” não é um romance de amor ,pelo menos ,quando assumido na acepção clássica do termo .quanto muito será um romance de amor absoluto .Marieta – ou a autora através deste seu arquétipo – busca a ascese e fá.lo num conceito amplíssimo de liberdade ,de entrega de si aos outros ,e ,não ,apenas ,ao outro ,como ser físico .aliás ,ela não entende muito bem a dicotomia erótica do amor ,nem é isso que procura .Marieta quer.se em plenitude .sabe ,ao olhar o mar ,que obsessivamente ,ama ,que o que quer é o que está para além de … mas não entende essa ligação uterina que os liga .aliás ,é junto ao mar ,numa descrição felicíssima e que nos deixa ,de tão subtil ,em dúvida durante algumas páginas ,que ela descobre o amor físico ,cujas consequências a perturbam ,durante algum tempo .sublime essa descrição ,minha tia!
o mar ,que no fundo acaba por ser o seu alter ego ,é o personagem principal nesta trama ,admitido como ser mãe ,mulher ,princípio e fim ,que se cola à pele de todos nós ao ponto de quase nos apetecer dizer – “fora! o teu lugar não é neste livro“.mas é ,porque no fundo ,é o mar que o atravessa e serve de ponte entre as três partes que o constituem.
“A Menina Marieta” também não é um romance tradicional ,muito embora estejam presentes todos os ingredientes necessários à narrativa.
“A Menina Marieta” é ,sobretudo ,o retrato de uma época que a autora ,numa linguagem quase cinematográfica ,na badana do neo.realismo italiano e do “noveau romain” ,nos conduz através dos seus labirintos existenciais .a Marieta contraponto da Amparo Monteiro ,ou a sua afirmação pela negativa ,é o arquétipo da mulher pequeno burguesa de um Algarve efervescente ,nas décadas 50 e 60 do século passado .mas não é a única!
aliás ,é através de um molhado e arguto olhar feminino que vamos encontrando muito bem delineadas ,as operárias fabris e as suas famílias ,contrapostas ao novo riquismo aburguesado de algumas senhoras ,clientes de Marieta ,elas próprias ,envolvidas na trama de um pulsar diferente e compulsivo que começa a sentir.se no ar ,perceptível só muito levemente ,mas que atinge o seu zénite na terceira parte do livro ,em plena guerra colonial….
mas ,reservemo.nos um pouco atrás ,para felicitar a Autora pela utilização do dialecto algarvio na boca dos seus personagens .nada dificulta a percepção da narrativa que se desenvolve ,aqui e além ,talvez na utilização um pouco abusiva ,em meu entender ,de um calão demasiado forte num personagem ,com algumas pretensões de ordem social .isto é .Marieta talvez não necessitasse desses repetidos bordões de fala para se afirmar como personagem .mas Marieta é na sua matriz a linha condutora de uma época .é ela que nos leva a descobrir recantos dum Algarve ainda característico ,mas hoje, infelizmente ,inexistente .à custa de quê? esta ,aliás ,é a questão principal e à volta da qual se desenvolve todo o subtexto a que o texto ,isto é, a narrativa ,se prende ,porque são bem reais alguns dos personagens que vamos encontrando, ao longo das páginas .eu conheci esta Marieta .eu conheci ,não este ,mas muitos Batatas .eu conheci a Donana .eu conheci a Bia e ,curiosamente ,até brinquei com ela .eu conheci o Senhor Ferreira e sua Mulher ,amigos de meus pais .eu conheci aquela Praia da Rocha .a minha//nossa praia .como conheci ,menos bem ,mas conheci ,aquele pulsar de vida que foi a cidade de Portimão .por isso ,dói .doeu.me ler este livro .daí o meu aproximar .o meu pegar .o meu rejeitar … mas, atenção ,porque essa dor constituiu um doer diferente .foi um doer gostoso ,feito de tudo o que já tinha arquivado há muito ,e ,porque demasiado bom e belo ,não queria remexer.
é ,no entanto ,absolutamente necessário ler este livro ( que se faz em crescendo ,porque também ele é escrito em crescendo ) e que nos remete para horizontes inusitados de uma escrita e de um Algarve que nós ,as sessentinhas e sessentonas vivemos ,e ,que as novas gerações apenas conhecem na tradição oral e escrita …
gostaria ,ainda ,de escrever – sim ,porque como dizia no início da minha apresentação ,o leitor escreve para que seja possível… - algo sobre a maneira como a minha tia concebeu o livro .nota.se que é o seu primeiro ,dado à estampa ,pelo cuidado na forma a que a princípio se acha muito apegada .começa ,logo na primeira página ,por se apresentar senhora do texto ,para cair ,sem se aperceber ,no jogo subtil da palavra que se impõe e à qual acaba por subjugar.se .todavia ,aos poucos ,esquece.se e ,aí sim, liberta de preconceitos ,é a mulher/escritora na sua plenitude ,para de novo ,voltar a retrair.se ,num domínio em que o seu conhecimento é por interposta pessoa .enquanto que ,na primeira parte ,a Autora tece as malhas em fogo brando ,na segunda ,lança.se em absoluto ,para ,na terceira parte ,se defender ,inteligentemente ,num terreno desconhecido .menina aplicada não se excede .controla.se ,para num pleno ,em que ,em absoluto ,lhe tiro o chapéu ,terminar de forma magistral o livro .é ,precisamente ,na última frase que nós reencontramos a Autora .desconcertante ,como só ela.
Obrigada ,Amparo .obrigada ,minha tia ,porque “A Menina Marieta” é ,sobretudo ,um livro inteligente e de leitura obrigatória


São Bartolomeu de Messines ,28 de Junho de 2012
Gabriela Rocha Martins.