"estranha condição" a de poeta




a António Salvado




temeroso o poder de sedução que
uma imagem pode produzir
temeroso o sentimento de sermos intrusos
no próprio corpo
quando nos tolhemos às palavras proferidas
em vésperas
quando escavando a memória de anos e
de vivências nos capacitamos da atracção pelos
poetas nossos pares
ousamo.nos
despimo.nos
aceitamos a contestação como simples acto
contestatário e um sorriso cúmplice esboça.se
entre os olhares
narcísicos e nas margens das horas ou
nos jardins de mui difícil passagem do
paço d’el rey e senhor das trevas
.as palavras retomam o ritmo mágico e
a sua justaposição ultrapassa o universo profético
dos áugures
.senhores do palco onde gerimos esta estranha
condição de sermos mortais
escondemo.nos no mundo das máscaras
.tiramo.las e
colocamo.las
no mesmíssimo espaço
entre a palavra e o signo
a linguagem e o pensamento
.qual o animal que ousa afogar.se na noite lenta?
.que margem aceita a metáfora como sua amante?
tudo se reduz a pontos de interrogação
sentados
em algumas cadeiras vazias
-melhor assim-
onde os sonhadores vagueiam soltos nas bocas
dos que os consomem
.ainda há poetas de combate?
meu amigo os poetas exercem
diaria
mente
um combate com os homens práticos e
não importa se o peito do poeta se enche
de cicatrizes submersas
.então o abraço basta?
não
um abraço não se escreve
o erotismo é necessário à construção dos afectos
interiores à luz onde se projectam
os corpos poéticos
apenas dois que se encontram e se debruçam
sobre a chuva

absorvidos pela vazante de um rio
que escarnece a caminho da foz



(  poema para a Antologia de homenagem a António Salgado )