(im)possível

.
.
.


-kacper kalinowski.

ao Duarte ,à Rosarinho ,ao Tiago ,ao Becas e à Lu,
8 Março de 2007



há um signo no outro lado da palavra
a chamada linguagem sub.textual que João Maria não entende
essa ,aliás ,não é a sua área
tenta concentrar.se e deixar para depois do exame a leitura do bilhete que Inês lhe deixou no vidro do automóvel
resiste apenas dois segundos
- preciso urgentemente de falar contigo .encontramo.nos ,às seis ,na Gulbenkian
não .não faz sentido
lembra.se .o exame .o mundo .o futuro .os amigos .todos os planos que ao longo de seis anos foi arquitectando .o estágio em Florença... Duarte... Bernardo... o convite da ONU para Timor... Gonçalo... Rosarinho... Filipa... a praia da Areia Branca... as noites quentes... corpos em suave abraço... Maria/In
- preciso urg
talvez não!
não pode ser .não faz sentido
recorda.se da véspera ,quando ao sair da Faculdade ,encontrara Mariana e Inês segredando...apanhara no ar...”a amiga grávida .imagina!. pai .melhor amigo.”

Mariana entrou na sala devagar .o olhar em volta .um sorriso parado a meio .Inês foi muito mais rápida .despachada .como sempre .aliás ,fora ela que colocara ,no vidro do carro de João Maria ,a folha de papel dobrada em quatro

“.melhor amigo...imagina!.” – a frase dói – “pai.”
não .não faz sentido
o bilhete escorrega
cai no chão
João Maria precisa de concentrar.se
tudo depende desse exame...

Pedro ,despistado como sempre ,entra na sala e “aterra” junto à secretária .senta.se
- olá ,João. que trombas ,pá!
lê as folhas de exame
parece que este foi feito propositadamente cá p’ros ginjas
continua sem perceber o silêncio do amigo
João Maria ,a malta safa.se .o exame é de caras ,meu!
o mesmo silêncio
bolas .hoje estás apanhado de todo...não há pachorra
mergulha nas perguntas/respostas .rói a esferográfica
a imagem de Mariana sobrepõe.se .levanta os olhos e imagina.lhe o rosto meio encoberto pelo mar .os cabelos colados à face .a frescura dos corpos .o amplexo no calor da areia .Areia Branca .a noite...
sacode os pensamentos .xô .termina a prova
precisas de ajuda?
de novo o silêncio
népia .não tenho estômago para “birrinhas de tipos café com leite”
prepara.se para sair .repara na folha dobrada em quatro ,caída no chão
agarra.a
- preciso urgentemente de falar contigo .encontramo.nos, às seis, na Gulbenkian

reconhece a letra de Mariana
olha o relógio .dispara

Inês - que horas são?
o teste não me correu mal .e a ti?
acho que dá para safar
– e
enquanto espera por Mariana ,tem tempo para certificar.se de algumas respostas
Gonçalo ,Diogo ,Leonor e ela rodeiam a mesa da “sôtora”
discutem pormenores e aguardam a saída .o toque .agudo .vibrátil
Inês deixa o grupo e junta.se à amiga .olha.a ,pela primeira vez ,com atenção...
estranha...
estás mal disposta?
não .é do calor
– responde.lhe Mariana
saem juntas

às seis horas em ponto chegam à Gulbenkian
por aqui ,Pedro?
olá ,miúdas .vocês sabem o que se passa com o João Maria? tentei falar com o tipo ,mas nem bom dia... está com um mau perder!
Mariana olha em volta
Inês ,irónica como sempre ,atira para cima da mesa mais uma das suas frases bombásticas
ah ,não sabes? bom ,também não admira num despistado como tu
o João Maria anda a atravessar uma frase a que os psicólogos chamam depressiva

(ri)
os pais separaram.se e ,segundo dizem ,o pai...
... poupa.me
,com a idade dele e ainda com crises existenciais?
betices!
o jogo subtil das palavras acentua.se .o ardil
Inês inventa .Pedro acrescenta
Mariana olha em volta

há um silêncio no outro lado da palavra
não escrita
Mariana levanta.se
tudo faz sentido
aproxima.se da porta .João Maria estende.lhe o beijo
a face
entre os dois não há exames ,testes de matemática ,frases bombásticas

João Maria pergunta baixo
e o teste?
positivo
.
.
.