Orlando

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-vittorio zecchin.



à Fernanda Sal Monteiro,
8 de Março de 2005




o Orlando era um rapazinho estranho .pertencia ao 2º-5ª, a turma dos reguilas
foram todos escolhidos a dedo” – diziam alguns colegas
era o Orlando, o Rui, o Fernando, o “Caixinha” .irreverentes, não submissos nos seus 15 anos. fartos de matérias repetidas em anos transactos, tornadas monótonas pelo cansaço do próprio cansaço .procuravam pelo afrontamento acordá-los do tédio, despertá-los para a realidade do seu quotidiano, despi-los das suas certezas
era a esperança metamorfoseada na adolescência
era a Vida
sotôra!, o Orlando hoje está bêbado .foi almoçar na venda da esquina e obrigaram-no a beber uma porrada de vinho .é verdade, sotôra – dizia o Caixinha –
....................começaram a dizer-lhe que não era homem não era nada se não aguentasse um copo de vinho .que o vinho dá força à gente .eu cá tive medo e não quis. o gajo chamou-me maricas .depois o Orlando sentiu-se mal disposto e fartou-se de vomitar. se a sotôra visse o ar do homem
....................volta-se aos berros com a gente – como se eu tivesse alguma culpa -, a dizer que não queria javardos no restaurante dele .que até tinha uma filha professora no Alentejo
a cabeça loira do Orlando acordava nos braços cruzados sobre a carteira .olhos brilhantes .uma bebedeira, a que a estupidez dos homens tirara toda a irreverência e tornara submissos. aguardavam, confusos, a cumplicidade da sentença
.....................uma falta, a participação, outro chumbo, uma nova turma de repetentes reguilas, porque “foram todos escolhidos a dedo” – lia-se na semiconsciência dos seus olhos brilhantes
no dia seguinte não apareceu na Escola .passou o trimestre
as matérias repetiam-se .a monotonia e o tédio vestiam a insapiência do seu saber .os dias voltaram a ser iguais no cansaço do seu cansaço
começava o mês de Março .um sorriso loiro escondia uma camélia queimada pelo orvalho da manhã .era o Orlando
amanhã vou para Lisboa e depois para Inglaterra .a minha mãe que trabalha num hotel escreveu a dizer que me arranja trabalho .o meu irmão também lá está .foi por isso que eu deixei a Escola. andei com os pedreiros
não tens pena de deixar a tua avó, os teus amigos?'
a minha avó? essa nunca me ligou nenhuma e amigos há muitos .mas não queria abalar sem me despedir da sotôra e trazer-lhe isto
estendeu-as sem jeito e partiu
obrigada, Orlando
obrigado, não. – voltou-se, - ou melhor, obrigado, sim, pela falta que não me marcou naquele dia
aquela camélia murchou .muitas outras se têm aberto .todavia, a cabeça loira do Orlando adormece ainda nos braços cruzados da sua memória
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