A tua
escrita é, de alguma forma, influenciada pelo lugar (ou lugares) onde vives (e
ou escreves)?
não .
sou ,por definição ,um Ser-em transgressão que escreve ,sobretudo ,sobre o Ser-em .e ,transgrido quando pego nas
palavras e com elas e nelas me torno uma vagamunda .uma simples vagamunda das
palavras .logo os lugares físicos não me interessam .talvez as suas memórias ,porque
sou ,igualmente ,uma poeta de memórias .fugidias ,na medida em que ,para mim ,o passado é aquilo que eu conseguir
fazer do futuro
gosto ,todavia ,de quando em vez ,de refugiar-me
no meu lugar de lunagem ,onde ,co-habitando com Vergílio Ferreira ,Margueritte
Yourcenar ,Maria Gabriela Llansol ,Alexandre O’Neil ,Nélida Piñon ,Sylvia Plath
,James Joyce ,Appolinnaire ,Jacques Derrida – para evocar ,apenas ,alguns
companheiros de “route” e meus mestres tutelares – estabeleço jogos de
construção e des.construção com os leitores
à semelhança de Manuel Gusmão que afirma e
,muito bem - “o leitor escreve para que seja possível” - eu procuro tecer
,com os meus ,malhas de evasão ,tendo apenas uma única premissa – a Norma
linguística .tal pode ,no entanto ,parecer uma contradição .não o é .é preciso saber para transgredir
tenho dias ,horas ,minutos .não tenho lugares
.ergo os meus olhos e com as mãos procuro purificar o poema ,e ,a preto e
branco ,fora do espaço e no tempo ,escrevo o Verbo que me é raiz .tão só
Gabriela Rocha Martins
,Junho de 2017
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1º
.
.
é
no princípio da noitequando
o dia adormece
que
recordo
o
tempo das cerejas
pousadas
no
regaço maduro
de
Deméter
.será
que Março ou Dezembro
ao
vestir a fruta
ao
despir
os
galhos
melindram
ocasos
em
sussurros de asa?
2º
.
.
re.invento
o verso
a
pausa
neste
embuço
inglório
de
trabalhar
a
palavra
.des.construir
é o meu
modo
de construir
enquanto
a outra
metade
de mim
mergulha
na
vagamundagem
dos
luzeiros
.ao
longe
a
8ª sinfonia
de
Sibelius
3º
.
.
devagar
mui
devagar
na
calma do en tarde’Ser
as
palavras
como
as cerejas
escorregam
pelos
poemas
onde
co-habitam
a
avidez
a
intolerância
e
a pestilência
dos
seres em negação
.é
tarde
meu
amor
para
dar voz ao inumano
4º
.
.
nos
labirintos do tempo
entranço
e desentranço
as
horas mortas
do
devir
num
embaraço
só
meu
onde
o sol ao a noite’Ser
serve
a vigília
dos
duendes e
tudo
à minha volta
se
entrelaça
num
a-braço
censurado
.são
horas
meu
senhor
de
desbravar o
imaginário
5º
.
.
chegas
com a alegria
nos
bolsos
e
as gargalhadas
à
volta
do
teu corpo
.usas
as mãos
para
inquietar-me
entre-aberta
ao prazer
e
arrebatado
devolves-me
nas asas
do
falcão
ao
menstruo
ao
perdimento
do
durante e
do
após
.és
poeta
6º
.
.
após
e
só após
adergam
os begardos
os
argonautas
os
filisteus
para
que tudo à nossa
volta
se
inquiete
e
eu
no
varandim do templo
solto
vozes
entorno
versos
selo
vertigens
recolho
beijos
escrevo
corpos
dou
voz ao medo
atenho-me
em
ser MULHER
7ª
.
.
tu
és aquela
eu
sou a outra
metade
que
inventei
livre
bravia
ávida
e faminta
.somos
as aprendizes
do
Lugar
a
superior condição
das
mulheres
que
pé ante pé
excruciam
na noite
a
torpeza
a
vileza
do
dia seguinte
8ª
.
.
deixei
a tua imagem
colar-se
aos meus olhos
à
minha cara
ao
meu corpo
.assumi
o compromisso
de
não voltar atrás
mesmo
quando o cinismo
re.vestiu
os dias as horas
e
os minutos
.de
quando em vez
penso
em ti
cravo
filigranas de puro
êxtase
e
acredito que amanhã
o
des.laurear
voltará
a irmanar os nossos
passos
.seremos
no
silêncio das lonjuras
um
des.interesse a dois
assumido
em laçadeiras
per.feitas
de.mais
9º
.
.
ontem
o
verbo conjugava-se
na
primeira pessoa do plural
hoje
quanto
muito
impera
o
Eu
e
a Poesia
guardiã
do Tempo
veste-se
de
surrapa
guarnece-se
de
arminho
e
adormece
verso
a verso
no
assombro e
no
excesso
10º
.
.
pela
calada da noite
na
vertigem
do
acordar
sem
pressa
dispo-me
e
à medida que escrevo
entorno-me
ou
deito-me
encostada
à verve
que
deixo como reverso
da
pele
onde
afundado
o
beijo se circunscreve
a
um simples verso
Gabriela
Rocha Martins
(
inéditos ) in tetralogia do Ser em transgressão ( blogue "depois das palavras chegam as
cerejas" )