QUOTIDIANOS POÉTICOS
COM GABRIELA ROCHA MARTINS
As perguntas
servem de guião para o texto que depois comporei. Usando muito das respostas,
claro. Às vezes com ou sem as perguntas…
(podes
responder aqui directamente, a página do jornal tem pouco espaço, mas serão
umas 3 páginas de word, e podes usar a tua marca gráfica, se os senhores que
fazem a paginação não se baralharem, mas eu avisarei J )
A fotografia/s
pode-se tirar do facebook, ou Google?
Ou manda
uma…
Preciso de
uma pequena biografia para complementar …
Pedro Jubilot
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Como é o quotidiano do eu poético /
tu com a poesia da tua vida ? Da tua poesia? (isto é um pouco confuso,
abstracto…mas…
“Ser poeta é…….” Não ,não sou
.nem o princípio nem o fim .não estou nem no aqui ,nem no agora .estou e digo
.falo .escrevo .brinco com as palavras e com os leitores com quem estabeleço
jogos de fuga ou persuasão .como o faço ,diariamente ,comigo e com os outros
.não gosto de compromissos .gosto do Ser-em
como premissa de uma vagamunda da palavra .é com ela e só com elas que me
assumo .liberta .tudo o mais é voragem , até porque o meu livro de horas há
muito que se fechou
Diz acerca de coisas dos teus dias em
que acontece poesia ou que a faças acontecer? O que há de /consideras poético em certas horas dos teus dias
um dia ,há muito tempo ,alguém
me ofereceu uma caneta e mostrou as estrelas .de imediato ,teci pontos de
confluência ,silêncios ,afugentei medos ,chorei de raiva ,misturei-lhes gargalhadas
e um pouco de melancolia .comecei a ter ,por companheiros de jornada ,um
Vergílio Ferreira ,um Alexandre O’Neil ,um Manuel Gusmão ,uma Margueritte
Yourcenar ,uma Simone de Beauvoir ,um James Joyce ,um Jean Paul Sartre ,um
Rimbaud ,um Jacques Derrida ,um Haruki Murakami ,uma Sylvia Plath ou uma Maria
Gabriela Llansol ,entre muitos outros ,e ,no meu acordar devagar ,fui colhendo
pétalas .hoje ,tenho-os no meu dia a dia .acordo e adormeço com eles
,roubo-lhes ( sem plágios ) as palavras e as ideias e vou construindo novos
trilhos ,novas cadências ,outros escritos ,sem regras e sem normas .não tenho
horas para escrever .nem dias .nem semanas .o Levante é o meu senhor .todavia
,tenho a Norma Linguística como ponto de partida e de chegada .diários
Consegues escolher o livro (e poema?)
de tua autoria preferido/s ? Os mais relevantes?
um livro – “a crispação de um toque a-fora o Ser”
poema - resíduos de in.satisfeição
gostava tanto de a dorme’Ser
em des.abrimento e
em des.abrimento e
fazer
em excelência
da algaraviada
em excelência
da algaraviada
resíduos de um estar-a-sós
e de degrau em degrau
descorar
restos de uma morte
descorar
restos de uma morte
não suficiente
os mais relevantes – é possível amar um filho mais do que
outro?
Autores que gostas ou que possas
dizer te inspiram a escrever?
já falei deles acima .não me repetirei
Já ninguém usa caneta e papel, quanto
mais máquina de escrever, que material usas para escrever, como é o processo
material da tua escrita?
( é isto importante)
E o imaterial ?
sou ,por natureza e vocação
,uma amante do belo .o visual tem imensa importância no meu delírio escrevente
.por isso ,não pontuo ,ou quando o faço ,por uma questão estética ,arrumo a
vírgula e o ponto final à palavra que ,cúmplice ,se avizinha .não uso maiúsculas
,porque o computador é a minha tela e sou “uma senhora muito bem educada .não
berro ,escrevo” ( exige-se uma gargalhada no fim desta frase ) .desconstruo e
construo palavras ,naquele jogo que estabeleço com a Língua e o leitor
.pergunto-vos? como se abraça? com os braços ,não? então o hífen ,também meu
companheiro ,ajudar-me-á a juntar os braços ,afim de a-braçar ,porque o
a-braçar traduz uma acção contínua .contrário ao hífen que junta ,o ponto final
separa .se eu permitir ao leitor duas leituras ,porque ficar-me ,apenas ,numa? assim
,pego ,por exemplo ,no verbo referir e separando o prefixo re ,dou de bandeja
,a quem me lê ,a possibilidade de jogar com os verbos ferir e referir .e é este
construir ,desconstruindo palavras que vou pintando na tela/ecrán do meu computador
,único meio de poetar .por fim
posso ,eventualmente ,no meu
correr pelo dia ,parar numa frase que alinhavo num qualquer papel .posso
acordar ,a meio da noite ,com um poema rascunhado .tento passá-lo ,para uma
folha .esqueço-o ,durante horas e dias ,nas algibeiras ,sobre as mesas
,secretárias ,ou bancos do carro .há uma notícia que me chama a atenção .um
homem que morre gazeado .algures,uma mulher violada .na maré-baixa ,uma criança morta .um olhar
perdido de um miúdo .homens e mulheres que fogem de nenhures .então ,há um
grito que me obriga a consciencializar o Outro .aquele Ser-em que ,colado à minha pele ,me acompanha .e ,um dia ,numa hora
,pego-lhes e ,perante a tela branca do computador ,pinto e trabalho as palavras
,com amor ,com raiva ,com desdém ,com mágoa ,nunca com indiferença .uma ,duas
,três ,as vezes que achar necessárias .demoro a escrever
Quando ( dia, hora, estação do ano) mais escreves ?
gosto da carícia do fogo
.escrevo com o frio e como ave rapace ,a noite acolhe-me de braços abertos .é
,então ,no silêncio ,com o ladrar longínquo de um cão ou o barulho do vento de
encontro à portada que teço miríades de presenças in.consequentes a que ouso
,de quando em vez ,chamar poemas
outras vezes ,é o tempo mais
ameno que me estende os braços e qual barco peregrino ,deixo-me aportar mais
longe
insisto .não tenho horas .não
tenho dias .não tenho estações do ano .escrevo .apenas
Vícios, manias e segredos contáveis
relacionados com a tua escrita …
sou uma mulher perfeita ( ahahahahahaha ) .não tenho vícios
Que livro de poesia estás a ler / leste
recentemente?
acabei de re.ler ,na semana passada ,“Poesias Completas” ,do
Alexandre O’Neil
Explica um
pouco do projecto do livro «a
crispação de um toque a-fora o Ser ( i ensaio derivante )»
“A crispação
de um toque a-fora o Ser” não é
,senão ,a minha homenagem a alguém por quem tenho uma enorme admiração e cujos
livros descansam ,numa pequena secretária ,ao lado do meu computador – Maria
Gabriela Llansol .às vezes tenho necessidade de pegar num ,enquanto os outros
repousam e me olham de esguelha .preciso dela ( como preciso duma Maria Teresa
Horta , duma Sylvia Plath ou uma Nélida Piñon ) para ser Eu na escrita .mas a
Maria Gabriela Llansol ,como eu ,não é uma mulher fácil .muito menos a sua
escrita .quando ,há anos ,peguei no seu livro “Lisboaleipzig I. O encontro inesperado do diverso” senti uma enorme
resistência à leitura .não a percebia e a minha angústia em não entender alguém
que admirava sem saber porquê ,levou-me a tentar lê-la ,mais e mais ( “Um beijo dado mais tarde” ,” Hölder, de
Hölderlin” , “Onde Vais, Drama-Poesia?” , “O Senhor de Herbais. Breves ensaios literários sobre a
reprodução estética do mundo, e suas tentações” , “Lisboaleipzig II. O ensaio de música” , “Livro de Horas I: Uma data em cada mão” , “Livro de Horas II: Um arco singular” ,” O Livro das Comunidades” e “Um Falcão
no Punho. Diário I” ) e ,a par da leitura ,a estudá-la .a procurar ,nos
outros ,caso ,por exemplo ,de Carlos Santos ,de João Barrento e Maria Etelvina
Santos – igualmente responsáveis pelo “Espaço Llansol” – de Eduardo Lourenço e ,sobretudo
,da Maria João Cantinho ,que me conduziram ,pelas imagem ,lugares e tempo do
universo llansoliano .a partir de então ,Gabriela Llansol passou a ser minha
convidada diária … e ,de quando em vez ,havia recados que me pousava no regaço ,que
me sussurrava ,enquanto ,eu ,mui lentamente ,ia sentindo a necessidade de interiorizá-los
.de assumi-los como meus .e ,daquela crispação primeira fruto de um toque ,adveio
a admiração pelo/a-fora esse Ser em
excelência ,de seu nome Maria Gabriela Llansol .assim nasceu o livro “da
crispação do toque a-fora o Ser”(
assim se justifica o título )
Escolhe um poema (inédito ) teu para
publicar aqui
um
poema escrito sobre a água
*
há dias em que durmo sobre uma enxerga como
se um rol de andarilhos tivesse deixado num
vão de escada os andrajos do vagamundo
se um rol de andarilhos tivesse deixado num
vão de escada os andrajos do vagamundo
*
os vizinhos do prédio onde Amadeus Mozart
escreveu “Idomeneo”
conhecem-me os passos o
vestuário sujo as
mãos cobertas por luvas esbulhadas
escreveu “Idomeneo”
conhecem-me os passos o
vestuário sujo as
mãos cobertas por luvas esbulhadas
*
sirvo aos transeuntes um naco de pão onde o bolor
se alapa para em troca receber uma nuvem
carregada de chuva
se alapa para em troca receber uma nuvem
carregada de chuva
*
não sei que mão devo estender ( porque )
reservo pendurado à esquerda um
saco rasgado por onde o argaço escorre
deixando para trás um oceano aberto
à genialidade
reservo pendurado à esquerda um
saco rasgado por onde o argaço escorre
deixando para trás um oceano aberto
à genialidade
*
levanto a gola do sobretudo onde se acolhem
as pernas e visto-me de
sombras para
mergulhar faminta no repasto do chiste
as pernas e visto-me de
sombras para
mergulhar faminta no repasto do chiste
*
a vida não é uma instalação de arte
Queres reflectir/fazer balanço sobre
a TEIA…
quero ,outrossim ,re.lembrar um
projecto colectivo – BIENAIS DE POESIA DE SILVES - onde ,de quando em vez ,um
poeta/editor/pintor/músico/entertainer/sonhador/diseur/dançarina(o) se abriu à
Poesia ,discutindo-a ,adoçando-a ,musicando-a ou deixando-a ,tão só saltar de
verso em verso ,de nota em nota ,de quadro em quadro ou de pauta em pauta
.foram dias e foram noites ,foram contaminações de rua ,frases soltas em
paredes ,nas montras das lojas ou sobre as mesas e sob os copos ,inesquecíveis
.marcas que os Lugares não apagaram e nos quais os Poetas foram deixando
lastros ,também ,em Antologias várias .houve vozes do e no Tempo .houve Poetas
.muitos POETAS em maiúsculas .houve ,sobretudo ,rescaldos de experiências
poéticas que o rio Arade guardará em memórias ,do Crescente à Contemporaneidade
.inovámos ,criámos ,fomos ,em dias ,meses e anos ,os andarilhos ousados e
vagamundos das palavras escritas ,ditas ,cantadas ,representadas ,projectadas
,dançadas ,pintadas ,editadas ,sonhadas ,interrompidas .durante dez anos ( de
2005 a 2015 ) ,percorremos ,o País literário ,de norte a sul ,numa aprendizagem
constante ,tendo a POESIA como viagem ,em registos que o futuro reivindicará
como premonitórios
Algo que queiras referir….
fecha-se o círculo das
presenças quando
se suicidam as gargalhadas e
o gato Kafka se enrola nas cordas do violoncelo
se suicidam as gargalhadas e
o gato Kafka se enrola nas cordas do violoncelo
( ao longe – delicada - a sinfonia nº 5 de Gustav Mahler )
brevíssimo
curriculum-vitae
Gabriela
Rocha Martins ,com formação na área de Direito ( Universidade Clássica de
Lisboa ) e em Técnicas Documentais ( área de Bibliotecas e Centros de
Documentação ) nasceu em Faro .tem quatro livros editados .foi fundadora e
coordenadora do projecto literário ,a nível nacional ,“Bienais de Poesia de
Silves” ( de 2005 a 2015) .podem lê-la em várias Antologias e Revistas ,em
Portugal e no estrangeiro .participou em 4 projectos poéticos ibéricos e faz
parte dos Poetas del Mundo .encontra-se representada em escritores.online ,Projecto Vercial e na Wikipédia .tem colaboração
nas revistas virtuais Triplov
,InComunidades e Athena .a sua
poesia e prosa poética podem ser seguidas em vários blogues ,futuros e-books e
livros ,de que se destaca o blogue-mãe - “.cante-chão. (http://cantechao3.blogspot.pt/ )
quanto
à fotografia ,escolhe ,no Google ,a que quiseres
Gabriela Rocha Martins
,Maio de 2017
Gabriela Rocha Martins
,Maio de 2017