só para aguçar o apetite...
.1
.2
.3
.4
.5
.1 - capa e contra-capa;
.2 - 2 poemas de "na lavoura do rascunhar medram os silêncios";
.3 - epígrafes;
.4 - badana e folha de rosto;
.5 - mais dois poemas do livro.
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
texto de Luís Serrano
O ACTO POÉTICO,
METÁFORA DO NÃO
por Luís Serrano
Gabriela, por que teimamos em
remar contra a corrente se não passamos de agricultores que avançam,
modestamente embora, [pel]a lavoura
do rascunhar [onde] medram os
silêncios?
Nunca disseste tanto em tão
poucas palavras, Gabriela.
Nós (os párias) levamos a poesia
a sério que é como quem diz "levamos a vida a sério", isto é, estamos
desde sempre (desde que nos conhecemos) apostados em dizer não. E ao
assumirmos esse comportamento, não andamos muito longe de outros poetas que com
outras palavras, disseram aproximadamente a mesma coisa.
Exemplo: Sophia disse [...] a
poesia é a minha explicação com o
universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no
real, o meu encontro com as vozes e as imagens.
Esse deve ser o ofício do poeta
em consonância com os outros artistas: os das artes plásticas que escrevem
noutra linguagem mas querem dizer a mesma coisa, os músicos que pregam notas
nas partituras, os homens de teatro que fingem o próprio fingimento e dizem
coisas com os dentes afiados, os bailarinos que dizem não à própria
gravidade e atiram-se para cima, para o alto, já que como dizia o nosso José
Gomes Ferreira, as aves quando morrem caem no céu, e os arquitectos
esses construtores amigos da pedra, inventando abóbadas, colunas, janelas
(sempre para dizer não).
Essa palavra, esse monossílabo
tem a força do murro e a leveza do beijo.
Devemos escrever e pensar poesia cultivando
o deserto como um pomar às avessas tal como preconizava o grande João Cabral
de Melo Neto.
Não queremos um mundo onde
não haja árvores, não queremos um mundo onde a água não seja limpa,
não queremos um mundo onde o ar não seja respirável.
Não a uma terra onde as
armas substituem os frutos, onde as casas ardem ao amanhecer, casas onde as
famílias criam os filhos à beira das hortas e dos gados debruçados sobre a
erva, sobre o sustento.
Não queremos a morte
despejada pelos aviões, pelos grandes contratorpedeiros, pelas mãos sujas do
crime organizado .
Dizemos não porque esse é
o caminho da poesia.
As árvores gritam sobre esse
registo de água que vai marcando a marcha do tempo. As árvores dizem não
porque o verde é a cor da vida, a cor da música que recusa a morte.
Ouço o grito dessas árvores, o
seu gesto sereno sobre a pele, a clorofila,
os estomas quando o ar se precipita inteiro sobre o limbo dessas folhas que o
outono há-de consumir.
Dêem-me árvores para um novo
recomeço já o dizia o António Ramos Rosa, ele que no verso anterior do
poema dizia: Mas estou cansado de recomeçar! Mas ele recomeçou e
nós não temos alternativa: recomeçaremos também!
Não deixemos que os
relógios parem à entrada dos túneis. Deixemos que o tempo se escoe, perpasse
pelos labirintos da imaginação, se abra mansamente para a noite e para o dia.
Dizer não porque não
é a flor mais antiga dos rios quando estes se lançam ao mar, agora que a
montanha não é mais do que uma rocha dura pregada no céu e também (lá vou citar
o Ramos Rosa outra vez) porque o que distingue o poeta é a sua capacidade de
relacionar livremente (isto é, inventando) o que aparentemente não é
relacionável.
Continua Gabriela, se possível,
de mão dada com o Almutâmide, atravessando o rio Arade sob o aroma colorido dos
laranjais de Silves.
Eu vou-me ficar por aqui mas
deixo-te este recado do René Char retirado de À une sérénité crispée:
Au centre de la poésie, un
contradicteur t'attend. C'est ton souvenir. Lutte loyalement contre lui.
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
Convite para a apresentação do Livro "na lavoura do rascunhar medram os silêncios"
como não gostamos de formalismos nem de ideias pré-formatadas ,convidamos TODOS os Amigos para uma apresentação/debate ,diferente ,em que iremos falar de Poesia e um pouco de nós .todos serão intervenientes numa conversa olhos nos olhos e o Tempo ,esse grande escultor* ,não será factor desmoralizante.
esperamos por si .venha Viver/Poesia ou se quiser ser ainda mais actuante ,venha Ser/Poeta
___________________________
*Marguerite Yourcenar
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
Colectânea "Dança de Palavras - palavras em movimento"
eis os dois poemas com que colaborarei na Colectânea "Dança das Palavras - palavras em movimento"
a convite da Pastelaria Studios Editora
a convite da Pastelaria Studios Editora
fazer amor com a poesia
*
*
trago as palavras soltas na algibeira e
deixo-as numa confusão de afectos
quando à porta de casa procuro as chaves
.amantes
os poemas esperam-nas e
elas despegadas de qualquer forma
de linguagem
sobem as escadas numa
correria desenfreada
.há um cheiro a Poesia em cada
re.canto como se os lugares sagrados as
tivessem adivinhado antes de tempo
.há um re.acender de corpos quando
se atiram nuas sobre a cama em busca
duma intimidade que só elas conhecem
.e assim tão
irremediavel
mente amadas
ora se apagam ora se acendem
numa intimidade onde
não há espaço para a razão
.ávidas de um momento a sós
com a Poesia
gritam-me
fecham-me a porta e
num êxtase que me exclui
aprontam-se ao ritual dos gestos
num incêndio inverso
à cicuta que os versos
deixaram esquecidos
sobre a cómoda
ser poeta
*
*
falam-me de um outro modo de ser poeta
.não conheço .não quero conhecer amores
perdidos ou proibidos em redondilhas ou
rodriguinhos .limito-me a amar a árvore que
nasceu anã .a palavra que
escorre a contra-gosto pelos meus dedos
.o sorriso do esquecimento que oblitera
o meu país onde a linguagem se perde
em risos intermináveis
.as palavras são estilhaços que deixo
colados
aos regaços e com elas
percorro labirintos de tinta nascidos no
meu peito .cinzas que se consomem
à nascença em restos esquálidos
ou tão desabridos quanto o Levante
.é no contraditório que lavo as mãos qual
Pôncio Pilatos de quem herdei a traição
e o rastilho .acendo fósforos que lanço ao
mar e no caos com que agasalho a vida
cravo as unhas nos ramos das árvores
como des.agravos de uma servidão mal
levedada
.uso a caneta apenas para acender o
dia
Gabriela Rocha Martins
,Junho de 2017
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
Antologia "Os Lugares da Escrita" ,coordenada por Luís Ene
A tua
escrita é, de alguma forma, influenciada pelo lugar (ou lugares) onde vives (e
ou escreves)?
não .
sou ,por definição ,um Ser-em transgressão que escreve ,sobretudo ,sobre o Ser-em .e ,transgrido quando pego nas
palavras e com elas e nelas me torno uma vagamunda .uma simples vagamunda das
palavras .logo os lugares físicos não me interessam .talvez as suas memórias ,porque
sou ,igualmente ,uma poeta de memórias .fugidias ,na medida em que ,para mim ,o passado é aquilo que eu conseguir
fazer do futuro
gosto ,todavia ,de quando em vez ,de refugiar-me
no meu lugar de lunagem ,onde ,co-habitando com Vergílio Ferreira ,Margueritte
Yourcenar ,Maria Gabriela Llansol ,Alexandre O’Neil ,Nélida Piñon ,Sylvia Plath
,James Joyce ,Appolinnaire ,Jacques Derrida – para evocar ,apenas ,alguns
companheiros de “route” e meus mestres tutelares – estabeleço jogos de
construção e des.construção com os leitores
à semelhança de Manuel Gusmão que afirma e
,muito bem - “o leitor escreve para que seja possível” - eu procuro tecer
,com os meus ,malhas de evasão ,tendo apenas uma única premissa – a Norma
linguística .tal pode ,no entanto ,parecer uma contradição .não o é .é preciso saber para transgredir
tenho dias ,horas ,minutos .não tenho lugares
.ergo os meus olhos e com as mãos procuro purificar o poema ,e ,a preto e
branco ,fora do espaço e no tempo ,escrevo o Verbo que me é raiz .tão só
Gabriela Rocha Martins
,Junho de 2017
*********************
************
***
1º
.
.
é
no princípio da noitequando
o dia adormece
que
recordo
o
tempo das cerejas
pousadas
no
regaço maduro
de
Deméter
.será
que Março ou Dezembro
ao
vestir a fruta
ao
despir
os
galhos
melindram
ocasos
em
sussurros de asa?
2º
.
.
re.invento
o verso
a
pausa
neste
embuço
inglório
de
trabalhar
a
palavra
.des.construir
é o meu
modo
de construir
enquanto
a outra
metade
de mim
mergulha
na
vagamundagem
dos
luzeiros
.ao
longe
a
8ª sinfonia
de
Sibelius
3º
.
.
devagar
mui
devagar
na
calma do en tarde’Ser
as
palavras
como
as cerejas
escorregam
pelos
poemas
onde
co-habitam
a
avidez
a
intolerância
e
a pestilência
dos
seres em negação
.é
tarde
meu
amor
para
dar voz ao inumano
4º
.
.
nos
labirintos do tempo
entranço
e desentranço
as
horas mortas
do
devir
num
embaraço
só
meu
onde
o sol ao a noite’Ser
serve
a vigília
dos
duendes e
tudo
à minha volta
se
entrelaça
num
a-braço
censurado
.são
horas
meu
senhor
de
desbravar o
imaginário
5º
.
.
chegas
com a alegria
nos
bolsos
e
as gargalhadas
à
volta
do
teu corpo
.usas
as mãos
para
inquietar-me
entre-aberta
ao prazer
e
arrebatado
devolves-me
nas asas
do
falcão
ao
menstruo
ao
perdimento
do
durante e
do
após
.és
poeta
6º
.
.
após
e
só após
adergam
os begardos
os
argonautas
os
filisteus
para
que tudo à nossa
volta
se
inquiete
e
eu
no
varandim do templo
solto
vozes
entorno
versos
selo
vertigens
recolho
beijos
escrevo
corpos
dou
voz ao medo
atenho-me
em
ser MULHER
7ª
.
.
tu
és aquela
eu
sou a outra
metade
que
inventei
livre
bravia
ávida
e faminta
.somos
as aprendizes
do
Lugar
a
superior condição
das
mulheres
que
pé ante pé
excruciam
na noite
a
torpeza
a
vileza
do
dia seguinte
8ª
.
.
deixei
a tua imagem
colar-se
aos meus olhos
à
minha cara
ao
meu corpo
.assumi
o compromisso
de
não voltar atrás
mesmo
quando o cinismo
re.vestiu
os dias as horas
e
os minutos
.de
quando em vez
penso
em ti
cravo
filigranas de puro
êxtase
e
acredito que amanhã
o
des.laurear
voltará
a irmanar os nossos
passos
.seremos
no
silêncio das lonjuras
um
des.interesse a dois
assumido
em laçadeiras
per.feitas
de.mais
9º
.
.
ontem
o
verbo conjugava-se
na
primeira pessoa do plural
hoje
quanto
muito
impera
o
Eu
e
a Poesia
guardiã
do Tempo
veste-se
de
surrapa
guarnece-se
de
arminho
e
adormece
verso
a verso
no
assombro e
no
excesso
10º
.
.
pela
calada da noite
na
vertigem
do
acordar
sem
pressa
dispo-me
e
à medida que escrevo
entorno-me
ou
deito-me
encostada
à verve
que
deixo como reverso
da
pele
onde
afundado
o
beijo se circunscreve
a
um simples verso
Gabriela
Rocha Martins
(
inéditos ) in tetralogia do Ser em transgressão ( blogue "depois das palavras chegam as
cerejas" )
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
Entrevista de Pedro Jubilot para o Jornal do Algarve
QUOTIDIANOS POÉTICOS
COM GABRIELA ROCHA MARTINS
As perguntas
servem de guião para o texto que depois comporei. Usando muito das respostas,
claro. Às vezes com ou sem as perguntas…
(podes
responder aqui directamente, a página do jornal tem pouco espaço, mas serão
umas 3 páginas de word, e podes usar a tua marca gráfica, se os senhores que
fazem a paginação não se baralharem, mas eu avisarei J )
A fotografia/s
pode-se tirar do facebook, ou Google?
Ou manda
uma…
Preciso de
uma pequena biografia para complementar …
Pedro Jubilot
------
Como é o quotidiano do eu poético /
tu com a poesia da tua vida ? Da tua poesia? (isto é um pouco confuso,
abstracto…mas…
“Ser poeta é…….” Não ,não sou
.nem o princípio nem o fim .não estou nem no aqui ,nem no agora .estou e digo
.falo .escrevo .brinco com as palavras e com os leitores com quem estabeleço
jogos de fuga ou persuasão .como o faço ,diariamente ,comigo e com os outros
.não gosto de compromissos .gosto do Ser-em
como premissa de uma vagamunda da palavra .é com ela e só com elas que me
assumo .liberta .tudo o mais é voragem , até porque o meu livro de horas há
muito que se fechou
Diz acerca de coisas dos teus dias em
que acontece poesia ou que a faças acontecer? O que há de /consideras poético em certas horas dos teus dias
um dia ,há muito tempo ,alguém
me ofereceu uma caneta e mostrou as estrelas .de imediato ,teci pontos de
confluência ,silêncios ,afugentei medos ,chorei de raiva ,misturei-lhes gargalhadas
e um pouco de melancolia .comecei a ter ,por companheiros de jornada ,um
Vergílio Ferreira ,um Alexandre O’Neil ,um Manuel Gusmão ,uma Margueritte
Yourcenar ,uma Simone de Beauvoir ,um James Joyce ,um Jean Paul Sartre ,um
Rimbaud ,um Jacques Derrida ,um Haruki Murakami ,uma Sylvia Plath ou uma Maria
Gabriela Llansol ,entre muitos outros ,e ,no meu acordar devagar ,fui colhendo
pétalas .hoje ,tenho-os no meu dia a dia .acordo e adormeço com eles
,roubo-lhes ( sem plágios ) as palavras e as ideias e vou construindo novos
trilhos ,novas cadências ,outros escritos ,sem regras e sem normas .não tenho
horas para escrever .nem dias .nem semanas .o Levante é o meu senhor .todavia
,tenho a Norma Linguística como ponto de partida e de chegada .diários
Consegues escolher o livro (e poema?)
de tua autoria preferido/s ? Os mais relevantes?
um livro – “a crispação de um toque a-fora o Ser”
poema - resíduos de in.satisfeição
gostava tanto de a dorme’Ser
em des.abrimento e
em des.abrimento e
fazer
em excelência
da algaraviada
em excelência
da algaraviada
resíduos de um estar-a-sós
e de degrau em degrau
descorar
restos de uma morte
descorar
restos de uma morte
não suficiente
os mais relevantes – é possível amar um filho mais do que
outro?
Autores que gostas ou que possas
dizer te inspiram a escrever?
já falei deles acima .não me repetirei
Já ninguém usa caneta e papel, quanto
mais máquina de escrever, que material usas para escrever, como é o processo
material da tua escrita?
( é isto importante)
E o imaterial ?
sou ,por natureza e vocação
,uma amante do belo .o visual tem imensa importância no meu delírio escrevente
.por isso ,não pontuo ,ou quando o faço ,por uma questão estética ,arrumo a
vírgula e o ponto final à palavra que ,cúmplice ,se avizinha .não uso maiúsculas
,porque o computador é a minha tela e sou “uma senhora muito bem educada .não
berro ,escrevo” ( exige-se uma gargalhada no fim desta frase ) .desconstruo e
construo palavras ,naquele jogo que estabeleço com a Língua e o leitor
.pergunto-vos? como se abraça? com os braços ,não? então o hífen ,também meu
companheiro ,ajudar-me-á a juntar os braços ,afim de a-braçar ,porque o
a-braçar traduz uma acção contínua .contrário ao hífen que junta ,o ponto final
separa .se eu permitir ao leitor duas leituras ,porque ficar-me ,apenas ,numa? assim
,pego ,por exemplo ,no verbo referir e separando o prefixo re ,dou de bandeja
,a quem me lê ,a possibilidade de jogar com os verbos ferir e referir .e é este
construir ,desconstruindo palavras que vou pintando na tela/ecrán do meu computador
,único meio de poetar .por fim
posso ,eventualmente ,no meu
correr pelo dia ,parar numa frase que alinhavo num qualquer papel .posso
acordar ,a meio da noite ,com um poema rascunhado .tento passá-lo ,para uma
folha .esqueço-o ,durante horas e dias ,nas algibeiras ,sobre as mesas
,secretárias ,ou bancos do carro .há uma notícia que me chama a atenção .um
homem que morre gazeado .algures,uma mulher violada .na maré-baixa ,uma criança morta .um olhar
perdido de um miúdo .homens e mulheres que fogem de nenhures .então ,há um
grito que me obriga a consciencializar o Outro .aquele Ser-em que ,colado à minha pele ,me acompanha .e ,um dia ,numa hora
,pego-lhes e ,perante a tela branca do computador ,pinto e trabalho as palavras
,com amor ,com raiva ,com desdém ,com mágoa ,nunca com indiferença .uma ,duas
,três ,as vezes que achar necessárias .demoro a escrever
Quando ( dia, hora, estação do ano) mais escreves ?
gosto da carícia do fogo
.escrevo com o frio e como ave rapace ,a noite acolhe-me de braços abertos .é
,então ,no silêncio ,com o ladrar longínquo de um cão ou o barulho do vento de
encontro à portada que teço miríades de presenças in.consequentes a que ouso
,de quando em vez ,chamar poemas
outras vezes ,é o tempo mais
ameno que me estende os braços e qual barco peregrino ,deixo-me aportar mais
longe
insisto .não tenho horas .não
tenho dias .não tenho estações do ano .escrevo .apenas
Vícios, manias e segredos contáveis
relacionados com a tua escrita …
sou uma mulher perfeita ( ahahahahahaha ) .não tenho vícios
Que livro de poesia estás a ler / leste
recentemente?
acabei de re.ler ,na semana passada ,“Poesias Completas” ,do
Alexandre O’Neil
Explica um
pouco do projecto do livro «a
crispação de um toque a-fora o Ser ( i ensaio derivante )»
“A crispação
de um toque a-fora o Ser” não é
,senão ,a minha homenagem a alguém por quem tenho uma enorme admiração e cujos
livros descansam ,numa pequena secretária ,ao lado do meu computador – Maria
Gabriela Llansol .às vezes tenho necessidade de pegar num ,enquanto os outros
repousam e me olham de esguelha .preciso dela ( como preciso duma Maria Teresa
Horta , duma Sylvia Plath ou uma Nélida Piñon ) para ser Eu na escrita .mas a
Maria Gabriela Llansol ,como eu ,não é uma mulher fácil .muito menos a sua
escrita .quando ,há anos ,peguei no seu livro “Lisboaleipzig I. O encontro inesperado do diverso” senti uma enorme
resistência à leitura .não a percebia e a minha angústia em não entender alguém
que admirava sem saber porquê ,levou-me a tentar lê-la ,mais e mais ( “Um beijo dado mais tarde” ,” Hölder, de
Hölderlin” , “Onde Vais, Drama-Poesia?” , “O Senhor de Herbais. Breves ensaios literários sobre a
reprodução estética do mundo, e suas tentações” , “Lisboaleipzig II. O ensaio de música” , “Livro de Horas I: Uma data em cada mão” , “Livro de Horas II: Um arco singular” ,” O Livro das Comunidades” e “Um Falcão
no Punho. Diário I” ) e ,a par da leitura ,a estudá-la .a procurar ,nos
outros ,caso ,por exemplo ,de Carlos Santos ,de João Barrento e Maria Etelvina
Santos – igualmente responsáveis pelo “Espaço Llansol” – de Eduardo Lourenço e ,sobretudo
,da Maria João Cantinho ,que me conduziram ,pelas imagem ,lugares e tempo do
universo llansoliano .a partir de então ,Gabriela Llansol passou a ser minha
convidada diária … e ,de quando em vez ,havia recados que me pousava no regaço ,que
me sussurrava ,enquanto ,eu ,mui lentamente ,ia sentindo a necessidade de interiorizá-los
.de assumi-los como meus .e ,daquela crispação primeira fruto de um toque ,adveio
a admiração pelo/a-fora esse Ser em
excelência ,de seu nome Maria Gabriela Llansol .assim nasceu o livro “da
crispação do toque a-fora o Ser”(
assim se justifica o título )
Escolhe um poema (inédito ) teu para
publicar aqui
um
poema escrito sobre a água
*
há dias em que durmo sobre uma enxerga como
se um rol de andarilhos tivesse deixado num
vão de escada os andrajos do vagamundo
se um rol de andarilhos tivesse deixado num
vão de escada os andrajos do vagamundo
*
os vizinhos do prédio onde Amadeus Mozart
escreveu “Idomeneo”
conhecem-me os passos o
vestuário sujo as
mãos cobertas por luvas esbulhadas
escreveu “Idomeneo”
conhecem-me os passos o
vestuário sujo as
mãos cobertas por luvas esbulhadas
*
sirvo aos transeuntes um naco de pão onde o bolor
se alapa para em troca receber uma nuvem
carregada de chuva
se alapa para em troca receber uma nuvem
carregada de chuva
*
não sei que mão devo estender ( porque )
reservo pendurado à esquerda um
saco rasgado por onde o argaço escorre
deixando para trás um oceano aberto
à genialidade
reservo pendurado à esquerda um
saco rasgado por onde o argaço escorre
deixando para trás um oceano aberto
à genialidade
*
levanto a gola do sobretudo onde se acolhem
as pernas e visto-me de
sombras para
mergulhar faminta no repasto do chiste
as pernas e visto-me de
sombras para
mergulhar faminta no repasto do chiste
*
a vida não é uma instalação de arte
Queres reflectir/fazer balanço sobre
a TEIA…
quero ,outrossim ,re.lembrar um
projecto colectivo – BIENAIS DE POESIA DE SILVES - onde ,de quando em vez ,um
poeta/editor/pintor/músico/entertainer/sonhador/diseur/dançarina(o) se abriu à
Poesia ,discutindo-a ,adoçando-a ,musicando-a ou deixando-a ,tão só saltar de
verso em verso ,de nota em nota ,de quadro em quadro ou de pauta em pauta
.foram dias e foram noites ,foram contaminações de rua ,frases soltas em
paredes ,nas montras das lojas ou sobre as mesas e sob os copos ,inesquecíveis
.marcas que os Lugares não apagaram e nos quais os Poetas foram deixando
lastros ,também ,em Antologias várias .houve vozes do e no Tempo .houve Poetas
.muitos POETAS em maiúsculas .houve ,sobretudo ,rescaldos de experiências
poéticas que o rio Arade guardará em memórias ,do Crescente à Contemporaneidade
.inovámos ,criámos ,fomos ,em dias ,meses e anos ,os andarilhos ousados e
vagamundos das palavras escritas ,ditas ,cantadas ,representadas ,projectadas
,dançadas ,pintadas ,editadas ,sonhadas ,interrompidas .durante dez anos ( de
2005 a 2015 ) ,percorremos ,o País literário ,de norte a sul ,numa aprendizagem
constante ,tendo a POESIA como viagem ,em registos que o futuro reivindicará
como premonitórios
Algo que queiras referir….
fecha-se o círculo das
presenças quando
se suicidam as gargalhadas e
o gato Kafka se enrola nas cordas do violoncelo
se suicidam as gargalhadas e
o gato Kafka se enrola nas cordas do violoncelo
( ao longe – delicada - a sinfonia nº 5 de Gustav Mahler )
brevíssimo
curriculum-vitae
Gabriela
Rocha Martins ,com formação na área de Direito ( Universidade Clássica de
Lisboa ) e em Técnicas Documentais ( área de Bibliotecas e Centros de
Documentação ) nasceu em Faro .tem quatro livros editados .foi fundadora e
coordenadora do projecto literário ,a nível nacional ,“Bienais de Poesia de
Silves” ( de 2005 a 2015) .podem lê-la em várias Antologias e Revistas ,em
Portugal e no estrangeiro .participou em 4 projectos poéticos ibéricos e faz
parte dos Poetas del Mundo .encontra-se representada em escritores.online ,Projecto Vercial e na Wikipédia .tem colaboração
nas revistas virtuais Triplov
,InComunidades e Athena .a sua
poesia e prosa poética podem ser seguidas em vários blogues ,futuros e-books e
livros ,de que se destaca o blogue-mãe - “.cante-chão. (http://cantechao3.blogspot.pt/ )
quanto
à fotografia ,escolhe ,no Google ,a que quiseres
Gabriela Rocha Martins
,Maio de 2017
Gabriela Rocha Martins
,Maio de 2017
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
Festival Literário Internacional de Querença
A
EVOCAÇÂO DE DEUS NA POESIA
“ars
longa ,vita brevis”
.1 .introdução
tema assaz interessante e controverso
este que me foi proposto pela organização do 1º FLIP ( Festival Literário
Ibérico de Poesia ) ,a realizar neste segundo fim de semana de Agosto ,na
aldeia de Querença ,Loulé ,Algarve sulino ,quente e beira-serra
.interessante ,porque me espicaça .controverso ,na medida em que não acredito em deus .então ,como falar de algo que ,para mim não existe? ou ,a existir ,existe como criação do homem – face à sua impotência ,à sua fragilidade e à sua busca do eterno - e não o inverso .mais ,como definir uma irrealidade ( será que é possível fazê-lo? ) .como falar do nada ,já que deus ,não existindo é o vazio ,o inexistente .um buraco
.interessante ,porque me espicaça .controverso ,na medida em que não acredito em deus .então ,como falar de algo que ,para mim não existe? ou ,a existir ,existe como criação do homem – face à sua impotência ,à sua fragilidade e à sua busca do eterno - e não o inverso .mais ,como definir uma irrealidade ( será que é possível fazê-lo? ) .como falar do nada ,já que deus ,não existindo é o vazio ,o inexistente .um buraco
como ,então ,sair deste buraco ,se ele
não existe? como falar do mesmo ou tentar uma definição plausível para algo que
,de facto ,não pode ser definido?
posso afirmar-vos que não me foi fácil
“descalçar esta bota” ,mas como sempre gostei ( e muito ) de desafios ,vejamos
,como tentei abordar ,logicamente ,o tema proposto
.sim ,porque só através da Meta-História
,isto é ,das fontes da História ligadas ao divino ,da Doxologia e da Filosofia ,consigo
falar-vos ,mesmo de um modo sumário ,deste tema
.e eis ,como descalcei a “referida bota”…..
.2
.o transcendente
.2.1
. “ars longa ,vita brevis”
“Ars
longa, vita brevis”
é ,sumariamente ,a fórmula que define a Arte na brevidade do tempo e com a qual
inicio a minha intervenção no 1º Festival Literário Ibérico de Poesia .daí que
,para muitos Poetas ,o fim da Arte seja , primeiro ,a busca da eternidade ou a comunhão com deus .William B. Yeats, um
dos maiores poetas da língua inglesa do século XX ,inscreve no “tempo da arte” o desejo do eterno, ao
expressar a sagrada vocação humana no encontro com deus.
“Consumi
meu coração; enfermo de desejo
E
preso a um animal agonizante
Ele
não sabe o que é; e levai-me
Ao
artífice da Eternidade.”
deste modo ,a procura do eterno ,para o
Poeta ,reveste-se de um carácter excessivo ,tanto quanto essas mesmas palavras
nascem da sua experiência de comunhão com deus
para outros ,no entanto ,o fim da arte
ou a procura na criação artística não é ,apenas ,a comunhão ,mas sim o
louvor
isto é .o Poeta sabe que deus existe
,por isso louva-o e o louvor a esse deus eterno está patente em toda a Poesia
cristã ,através dos séculos ,bem como o louvor pela manifestação bondosa das
dádivas de deus ao homem ,no espaço e no tempo .é que a poesia cristã trata da Meta-História
,isto é ,das fontes da História radicadas
no Eterno ,e da manifestação do sagrado e do divino entre os homens
.a vocação do louvor ,ou seja ,a
tendência incontornável da doxologia ,deve ser o conteúdo da poesia cristã
.aquém dos belos poemas bíblicos dos
Hagiógrafos (os Salmos, o Cântico dos Cânticos, etc) ,o poeta alemão Rainer
Maria Rilke dá-nos também ele uma ideia do tom dessa milenar vocação
.o talento do poeta que se exprime ,na
sua poesia ,sob este registo e o seu destino ,impede-o de deixar de louvar e
,sem louvor ,a poesia cristã não poderia existir
.em terceiro lugar ,gostaria de chamar a
vossa atenção – longe de esgotar o tema que daria “pano para mangas” – para o
que denomino “a poesia do arrependimento”
de certos Poetas ,cuja vida e a literatura ,acto contínuo ,consideram longe do
verdadeiro viver cristão ,caso ,óbvio de Manuel Maria Barbosa du Bocage mas que
,no entanto ,se inserem nesta temática ,tanto pela beleza dos seus poemas
quanto pela beleza - porventura maior – da sua confissão ,enquanto pecadores
,até porque ,a maioria, destes grandes Poetas são muito mais Humanistas e
homens de seu século ,do que cristãos, na verdadeira acepção do termo
.assim ,e de uma forma sucinta ,a fim de
enfatizar a Poesia lusa ,de cariz ,marcadamente ,cristão ,gostaria de referir
alguns Poetas portugueses - e limito a
minha abordagem a seis séculos ,isto é ,do séc. XV ao séc. XXI .os nomes que
menciono ,não a esgotam ,o que ,desde já me penitencio ,mas ,apenas ,procuram
relevar alguns dos nossos “inolvidados
ancestrais” e outros contemporâneos que ,apesar de não me identificar com eles
nesta temática ,os admiro ,sabendo ,à partida que poderia evocar muitos ou
outros .todavia ,estes são os que ,ora ,recordo:
Gil
Vicente
(1465-1536)
Diogo
Bernardes
(1520 - 1605)
Luís
de Camões
(1524 –1580)
Agostinho
da Cruz
(1540 – 1619)
Balthesar
Estaço
(1570 - 16--?)
D.
Francisco Manoel de Melo (1608 – 1667)
Jerónimo
Baía
(1620/30-1688)
Frei
António das Chagas
(1631-1682)
Leonor
de Almeida Portugal
(vulgus Marquesa de Alorna)
(1750 – 1839)
Manuel
Maria Barbosa du Bocage (1765 - 1805)
Alexandre
Herculano
(1810-1877 )
João
de Deus
(1830 – 1886)
Antero
de Quental
(1842 – 1891)
Gomes
Leal (1848
- 1921)
Fernando
Pessoa
(1888 – 1935)
Florbela
Espanca
(1894 – 1930)
Fernanda
de Castro
(1900 - 1994)
José
Blanc de Portugal
(1914 - 2001)
Sophia
de Mello Breyner Andresen (1919 -2004)
Sebastião
da Gama
(1924 - 1952)
Ruy
Belo
(1933 - 1978)
Maria
Teresa Dias Furtado
(
Maria
Azenha
( 1945 -
José
Augusto Mourão
(1947 - )
Samuel
Pinheiro
(1956 - )
José
Tolentino de Mendonça
(1965 - )
Daniel
Faria
(1971 – 1999)
Ruy
Ventura
(1973 - )
Samuel
Pimenta
(1990 -
.2
.2 .”a epifania como obra de arte”
destaco por fim ,se bem que de uma forma
breve ,porque o tempo assim me obriga ,a “Carta
aos Artistas” ,escrita em 1999 ,pelo Papa João Paulo II ,rica em reflexões
filosóficas sobre as relações entre Deus ,a beleza e a arte .já na primeira linha ,em dedicatória ,chama
à obra de arte "epifania"-
isto é ,manifestação ,pela beleza ,de deus
.e começa falando da criação artística
como participação do divino para concluir que "Deus chamou o homem à existência ,dando-lhe a tarefa de ser artífice.”
na «criação artística» ,mais do que
em qualquer outra atividade ,o homem revela-se como «imagem de Deus» e realiza essa tarefa ,em primeiro lugar ,plasmando
a «matéria» para ,de seguida ,exercer o domínio criativo sobre o universo que o
circunda .assim ,o artista divino ,primeiro ,transmite uma centelha da sua
sabedoria transcendente ao artista humano ,chamando-o a participar do seu poder
criador ,com as devidas distâncias ,obviamente
.participação ,que é participação também
no bem e no ser .nesse sentido ,João Paulo II estabelece a proximidade entre
bondade e a beleza ,e ,a confrontação entre o bom e o belo gera sugestivas
reflexões .em certo sentido ,a beleza é a expressão visível do bem ,do mesmo
modo que o bem é a condição metafísica da beleza .assim o entenderam os Gregos
,quando, fundindo os dois conceitos ,criaram a palavra :«kalokagathía» ,ou seja ,«beleza-bondade»
.e ,ainda ,a este respeito ,escreve Platão: «A força do Bem refugiou-se na natureza do Belo»".
assim ,não é de estranhar que a
Filosofia da Arte de S. Tomás de Aquino - como aliás todo o seu pensamento -
repouse sobre esse conceito fundamental: o de participação (participatio) .participar ,em sentido
transcendente ,é ter em oposição o ser
a Criação é o acto no qual é dado o ser
em participação .logo ,tudo que é , é bom
.no pensamento de Tomás de Aquino ,a
contemplação - também a propiciada pela arte - é a forma mais profunda de
"consecução de um bem criado",
prefigurando a glória definitiva .tais considerações ,que expressam o núcleo
profundo do pensamento filosófico ,estão ao alcance da intuição do conhecimento
comum ,e ,assim ,por mais difícil que seja a filosofia de Tomás de Aquino ,ela
nada mais é do que a estruturação do que já era sabido (talvez de um modo
inconsciente) pelo bom senso do homem vulgar
.palavras que vêm confirmar as de João
Paulo II: "Queridos artistas, como
bem sabeis, são muitos os estímulos, interiores e exteriores, que podem
inspirar o vosso talento. Toda a autêntica inspiração, porém, encerra em si
qualquer frémito daquele «sopro» com que o Espírito Criador permeava, já desde
o início, a obra da criação. Presidindo às misteriosas leis que governam o
universo, o sopro divino do Espírito Criador vem ao encontro do génio do homem
e estimula a sua capacidade criativa. Abençoa-o com uma espécie de iluminação
interior, que junta a indicação do bem à do belo, tornando-o apto para conceber
a ideia e dar-lhe forma na obra de arte. Fala-se então justamente, embora de
forma analógica, de «momentos de graça» ou “inspiração”, porque o ser humano
tem a possibilidade de fazer uma certa experiência do Absoluto que o transcende".
.3.
o imanente
em contrapartida ,porque a dialéctica
assim o obriga ,procuro agora uma outra abordagem ,não pelo transcendente ,com
o qual ,obviamente ,não me identifico ,mas pelo imanente ,tendo como ponto de
partida ,um poeta cuja obra me fascina e
que também me serve de matriz – Miguel
Torga
.para Torga ,a criação ,o mais belo e o
mais trágico dos ofícios ,ou a possibilidade de um homem descer ao mais fundo
de si mesmo ,é um dom inacto ,e ,a sua Poesia apresenta-nos três grandes linhas
de rumo que ,resumidamente ,poderão ser enumeradas do seguinte modo:
1ª-
a problemática religiosa:
em toda a obra de Miguel Torga verificamos
que o Poeta ,ao negar Deus ,não nega a sua existência .nega ,sim ,a
representação que os homens dele fazem .o que perturba Torga é o facto de não
existir um Deus humano e iminente
.assim ,nele ,e de forma telegráfica ,a
problemática religiosa manifesta-se:
- no desespero religioso – conflito
entre o divino e o terreno
- na revolta contra Deus, sem ,todavia
,assumir qualquer ateísmo
- na indecisão face ao absoluto, ao
sagrado e ao divino
- na negação do transcendente que lhe
perturba a razão
- na negação de deus/deuses para melhor
afirmar o Homem
- a esperança e a desesperança surgem
como uma expressão de um conflito íntimo que se desenvolve no seu interior
- na necessidade de buscar forças e tomar
consciência no destino trágico e limitado do Homem
- a descrença e a revolta contra uma
divindade transcendente, parecem ,no entanto ,reflectir a angústia e o desespero
do Poeta enquanto homem
- no constante e inquieto monólogo que
tem com deus
2.
– o desespero humanista:
do mesmo modo ,o seu desespero humanista
repercute-se no apego aos limites
terrenos e à revolta espontânea contra esses limites, num profundo sentimento
de solidão e experiência de sofrimento, na rebeldia contra os limites do homem
e na busca do caminho da esperança e da liberdade .o humanismo em Torga surge na
sua constante procura do verdadeiro sentido da existência humana que nunca
consegue atingir a sua plenitude ,o que ,evidentemente ,lhe traz ,uma enorme
angústia .Torga não se limita a conhecer o que lhe está próximo, mas sim tudo o
que lhe é destinado ,isto é ,o sentimento doloroso pela condição do Homem – O
Orfeu Rebelde
resumindo:
é bem visível ,na obra de Miguel Torga
-
a preocupação com a autenticidade criadora
-
a tristeza por não conseguir iluminar a sua poesia
- o sentimento de que o acto poético é
indissociável de um certo comportamento que aproxima o homem da ordem cósmica
em que se integra
3. – o sentimento
telúrico:
apologista de um sentido terreno e instintivo
,a terra ,para Miguel Torga ,traduz o local concreto e natural do homem ,a sua inspiração
genesíaca ou o mito de Anteu e, deste modo ,o Poeta afirma que o homem deve
unir-se à terra e ser-lhe fiel ,pois a terra surge como o ventre materno
.Torga personifica-a como uma mulher
disposta à fecundação .é ,simultaneamente ,a voz da terra e também a voz de um
povo rude e melancólico ,mas de carácter firme e nobre .a sua obra é um todo literário e humano .só na ligação à sua terra
,Torga se sente retemperado da luta que trava com deus e contra o seu destino
de homem ,e ,o seu sentimento de identificação com a mesma ,leva-o a cantar o
mundo agrário e exprime-se no seu apego telúrico ,na sua fidelidade ao povo, na
sua consciência de português, de ibérico, no espírito de comunhão universal
em
suma:
para
Miguel Torga
- a terra é o lugar de realização do ser
humano e da ligação à génese ( inspiração genesíaca )
- na terra fértil, a fecundação permite a vida do Homem que se reproduz
na busca de novas vidas
- o Homem deve ser capaz de realizar-se no mundo, de unir-se à terra e
de ser-lhe fiel para que a vida tenha sentido
- a escrita serve para projectar as suas
preocupações como ser humano e as suas limitações
.nele
há um sofrimento magoado ,feito desassossego que tanto permite a esperança como
conduz ao desespero
.4.
um pouco de mim
e ,deste modo ,simples e despretensioso
,deixo-vos com um poema que é a minha resposta ao tema que me foi proposto
será
possível a reparação dos estragos?
*
um balouçar no vento procura silenciar a voz do falo
enquanto a dança das equações tece o manto
de Ariadne onde os arcanos encenam
o funeral das Bacantes e os
cáusticos mortais
embebedam-se
cobertos pela patena
do verbo .tudo se consome
ou traduz num gesto casuístico
quando de novo as mãos se sobrepõem
à ausência e deus abandonado num logro (con)sentido
volta a semicerrar os olhos permitindo à Poesia a reparação
dos estragos
Gabriela Rocha Martins
,Agosto de 2016.
,Agosto de 2016.
**********************
**************
****
Confissões
de uma voz comprometida com a Poesia
Porque há Festivais ,encontros ,lugares
,dias e horas que deixam impressões digitais ,hoje olhei para os meus dedos e
verifiquei que tinha perdido as minhas.
Perdi-as ,algures ,por aldeias serranas
,quando convidada para participar no I Festival Literário Internacional de
Querença ( FLIQ ) ,ou
talvez as tenha deixado à guarda dos
Amigos ,Patrícia de Jesus Palma e da Fundação Manuel Viegas Guerreiro que
,apesar da minha não presença física ,por motivos de doença ,permitiram um diálogo
,íntimo e cúmplice ,entre esta amante do Verbo e da Palavra e todos os
Participantes.
Através de voz alheia , confessei-me ,às
Mulheres e Homens que na Ibéria vão
dissecando o Ser-em ,irremediavelmente
,comprometida com a Poesia ,a Escrita e o Mundo.
Deixei lastros de presença na minha ausência
física e em Querença ,entre Poetas ,Performativos ,e demais Criativos ,depositei
,com a alegria de quem se apresenta ,aberta mas comprometida ,o meu humilde
contributo escrito .Tentei ,ao meu jeito rebelde e provocador ,celebrar a Palavra e comungá-la
em todas as suas formas - dita ,escrita ,subvertida ,dançada ,exposta ,encenada
,discutida…- sob a batuta ,brilhante e atenta ,dos Organizadores do Evento.
Disseram-me ,em cochicho de ouvido e eu
não tive nem tenho dúvidas ,que foram 3 dias de Agosto de 2016 que deixaram
saudades “e que a aldeia de Querença foi
raiz e sombra de um diálogo contínuo ,animado por todas as vozes que ali se
reuniram ,pela primeira vez”.
Aguardemos ,expectantes ,os dias 12 ,13
e 14 de Maio de 2017 ,porque há Festivais ,encontros ,lugares ,dias e horas que
deixam impressões digitais….
Gabriela Rocha Martins
,Março de 2017
escrito e editado por
Gabriela Rocha Martins
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